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Como fazer o luto de pessoas vivas?

 
Normalmente o luto está associado à morte de alguém e requer um processo pessoal para que seja superado, no entanto, os especialistas clarificam que, o mesmo se refere a perdas em geral, pelo que não se pode afirmar que o luto é relativo a uma morte, mas sim a uma qualquer perda. É nesse sentido que, recorrendo a uma publicação do portal Uol, vamos explicar como funciona todo este processo caso a caso.

Podemos entrar num processo de luto pelo final de uma relação de amizade ou familiar, pela perda de um emprego, pela perda de um objeto, um animal de estimação, estatuto social, pela perda de um órgão, de uma função que desempenhávamos e daí por diante.
 
Em linhas gerais, estamos a falar de um sofrimento por uma perda que, varia de pessoa para pessoa dependendo do grau de proximidade que se tinha com o objeto ou a pessoa em causa, daí não existir um processo rígido de superação do luto, mas sim a consciência de que o mesmo é doloroso. Em alguns casos, pode ser necessário recorrer a um tratamento, enquanto que, na maioria das situações, as pessoas acabam por conseguir superar a situação com os seus próprios recursos. Depois, é ainda de assinalar que, ao longo da vida, todos vamos acumular perdas pelo que inevitavelmente todos vamos passar por vários processos de luto.
 
Segundo o Uol, importa anotar também que, «o luto é principalmente a perda de uma perspetiva de vida, que pode ser uma ideia, um sonho ou até uma fantasia imaginária». No entanto, a literatura médica define luto como a perda de alguém, o que, para muitos especialistas na área da psicologia e da psiquiatria, deve ser alargado a uma qualquer perda.
 
A mesma publicação afirma que, «não é possível mensurar a intensidade do luto ou perda de uma forma geral, é possível fazer um processo individualmente». Citada pela mesma publicação, Tânia Alves que lida diariamente com pacientes enlutados, explica que a intensidade com que cada um vivencia a perda ou o luto, tem uma equação: quanto mais amor, mais dor no momento da perda. Quando se ama muito, a reação será muito mais intensa. Esta especialista esclarece que, apesar de ser subjetivo, quando se ajuda um paciente num processo de luto, tem de se lhe perguntar qual é o grau de intensidade que está a sentir e pedir á pessoa para explicar o melhor que conseguir, a dimensão dessa perda, pois só assim se consegue possibilitar que a mesma passe para a fase seguinte. Em casos de muita intensidade, é recomendada medicação, sugere a mesma psiquiatra.
 
Tânia Alves explica ainda ao Uol, as fases do luto que, não sendo necessariamente por esta ordem, ajudam a orientar a compreensão do tema. Neste contexto, o primeiro momento é o choque, é quando se entra propriamente no trabalho de luto e em que nos surgem questões como: “Será possível, como é que isto aconteceu?”. Na posição dos especialistas, é a partir daqui que se passa para o luto propriamente dito, pois, o cérebro entra num processo de investigação para tentar compreender o que se passou. Depois de serem colocadas várias perguntas, a mente vai procurando dar as respostas, o que para muitos autores é fundamental para se passar de uma fase para outra.
 
Assim, confira essas fases abaixo:
 
Negação/choque: geralmente é a primeira reação. Ao se deparar com a perda, a pessoa nega, não aceita. É um modo de defesa diante da situação: isso não me está a acontecer, não é verdade, não é com ela, tudo vai voltar ao normal, etc.
 
Raiva: é uma outra modalidade defensiva. O indivíduo fica com muita raiva, às vezes ódio, da perda ter acontecido consigo e não com outra pessoa. Alves diz que isso acontece muito quando ocorrem mortes violentas: é comum a raiva, o sentimento de injustiça e o não entendimento da situação. Outro exemplo da psiquiatra, é em casos de amputação. "tenho pacientes muito jovens, principalmente motociclistas que perderam um braço ou uma perna num acidente e perderam a função. Além da perda estética, perdem uma função do corpo e leva muito tempo até que a aceitem”.
 
Ainda no Uol, Soler diz que já presenciou casos em que pacientes destruíram símbolos religiosos, outros jogaram-nos no lixo, devido à grande dor e revolta pela perda. "Essas manifestações devem acontecer, não precisamos de as conter, uma vez que, a pessoa vai ter o tempo necessário para fazer uma reparação, para fazer as pazes com os próprios valores e com a religião, se for o caso", pontua.
 
Depressão: diferente da raiva, que é um sentimento mais expressivo e mobilizador, onde a pessoa deita para fora tudo o que pensa e sente, a depressão é mais quieta, introspetiva e imobilizadora, resultando numa tristeza profunda pela perda.
 
Negociação: é uma parte do processo em que a pessoa tenta "salvar" a perda. Tornar o que é irreversível, reversível. Como Alves explicou no começo do texto, é o processo de investigação mental: "e se eu não tivesse feito isso?"; "será que posso fazer algo?".
 
Um exemplo que a psiquiatra utiliza é o término de uma relação conjugal. Quando um quer terminar e o outro não aceita, este vai negar o término, porque o seu desejo ainda permanece. Depois de negar, vai perguntar-se por que razão a outra pessoa quer terminar. Depois, vai questionar-se acerca do que “poderia fazer para salvar essa relação?' e vai tentar salvá-la. Até que, por fim, o outro permanece com a realidade informada de que já não há possibilidade de voltar, seja porque não se quer, seja porque o sentimento morreu. Então, por exaustão, o enlutado desiste e ganha o princípio da realidade: não há mais nada que possa ser feito.
 
Aceitação: é quando o enlutado consegue lidar com a perda com menos sofrimento. A pessoa tem a aceitação da finalidade da perda e aos poucos vai retomando a normalidade da sua vida e adapta-se à sua nova realidade e ao fim do luto.
 
"Essas fases estão presentes, mas não são lineares. Não quer dizer que as pessoas vão passar por todas e pela mesma ordem. É mais para que possamos entender e repensar esse processo", explica Soler. A psicóloga salienta que rituais como o velório e o enterro, para casos de morte, são muito importantes para encerrar ciclos. Assim como é importante que as crianças participem.
 
"Mortes em que não são encontrados os corpos ou que não se tem a certeza do que aconteceu, faz com que o organismo se negue a entrar em processo de luto por haver uma esperança de que a perda não é real", complementa Alves.
 
Segundo o Uol, o processo de elaboração do luto acontece quando a pessoa transforma uma situação de dor em outra que seja benéfica para si ou para outros. "Para não sofrer a dor daquela perda, a pessoa transforma aquela experiência em algo triunfante, acreditando que vai sair por cima de toda a dor que está a viver”, completa.
 
Aceitar dentro de si a realidade das nossas limitações como seres humanos, que teremos perdas ao longo da vida e que fazem parte da nossa existência, é um processo de elaboração. "Nós transformamos as dores em algo que possa ser para um ensinamento para seguirmos adiante", acrescenta.
 
Soler informa que o processo de luto, no caso de morte, dura entre dois e dois anos e meio. "O primeiro ano é sempre o mais difícil, é quando passa por todas as datas importantes sem a pessoa amada: o primeiro aniversário, o primeiro Natal, a primeira passagem de ano. Passado esse primeiro ano, no segundo o peso já é menor, pois a pessoa conseguiu passar pelo primeiro ano e "sobreviveu". Quando o luto dura mais do que esse tempo e começa a prejudicar a pessoa nas suas necessidades básicas, torna-se necessário pedir ajuda a um profissional de saúde. Em muitos casos, um psicólogo pode ser um bom aliado. Em casos mais graves, a intervenção de um psiquiatra pode ser a melhor opção.
 
É ainda de realçar que, o luto de pessoas vivas passa exatamente pelo mesmo processo uma vez que, envolve uma perda seja de um familiar, de um amigo, de um emprego e daí por diante. O mesmo também não deve ser desvalorizado, pelo que, cada pessoa deve merecer apoio, compreensão e o respeito pelo seu tempo e estado de alma. Como já foi referido acima, quanto maior a proximidade com a pessoa ou o objeto, maior a dor, daí ser necessário o cumprimento de um tempo para que a pessoa consiga aceitar essa nova realidade.
 
Na posição de muitos especialistas na área da psicologia e da psiquiatria, também é importante fazer um ritual para a perda de uma pessoa que não faleceu. Escrever uma carta de despedida, relatar o acontecimento a um profissional de saúde, desabafar livremente com um amigo ou com alguém da sua confiança são opções a considerar, pois a pessoa precisa de falar sobre o sofrimento que está a sentir. Há mesmo quem visualize mentalmente o funeral do ex-parceiro, por exemplo, para que possa começar o processo de aceitação daquela perda.
 
Anote que, não é vergonha alguma pedir ajuda quando não se consegue minimizar a dor que se sente, pelo que, se é o seu caso, não hesite em procurar um profissional de saúde habilitado para o efeito.