Dicas

Consequências de crescer sem a compreensão dos pais

 
Todos desejamos que a relação entre pais e filhos seja baseada no afeto, no respeito, na compreensão, no sentimento de proteção e entreajuda, mas existe uma parte significativa da população que não recebeu esse porto-seguro.

Muitos pais dizem que não agridem fisicamente os filhos, que não os prejudicam em nada, mas que mesmo assim, não conseguem entender-se com os descendentes, enquanto que outros fazem uso de várias formas de maus-tratos, “têm os filhos sempre na mão” e garantem que é desse modo que se educa e se mantém a convivência.
 
Segundo os entendidos nesta matéria, não é preciso agredir para tratar mal, basta que não se respeite, que não se ame e que não se aceite um filho tal como ele é para que o mesmo seja considerado maltratado.
 
Na realidade, o pior que pode acontecer a um ser humano é experimentar uma má relação com os pais. Essa é uma marca que permanece pela vida fora e que é muito difícil de ser ultrapassada porque são estes adultos o primeiro contacto de um bebé com o mundo, a primeira referência de uma criança, o refúgio de um jovem e a preparação de um adulto. Se a relação não é baseada no amor, na compreensão, no diálogo, no respeito, aceitação e sinceridade, torna-se muito complexa a tarefa de a manter.
 
Depois, muitos pais queixam-se que os filhos não os respeitam, não os acarinham e não fazem o que eles dizem, mas esquecem-se que também não lhes deram essa base na infância e que o amor não fazia parte da relação, tal como o respeito pela diferença e pela individualidade.
 
Muitos pais querem tanto que os filhos os imitem e que só façam o que eles aconselham e mostram que se tornam obsessivos, levando a família a reproduzir as suas ideologias, quase como se de uma seita se tratasse, o que não permite a entrada de novos conteúdos, o respeito pelas  qualidades  e características dos filhos, muito menos a liberdade para que os mais novos se desenvolvam com os seus gostos e opiniões distintas.
 
É um facto que é muito difícil educar e que manter uma boa relação entre pais e filhos é uma tarefa exigente, mas os especialistas afirmam que, quando há amor, respeito e compreensão, quando dedicamos tempo para ouvir os nossos filhos e quando lhes desejamos o melhor, é sempre mais fácil e possível manter uma boa convivência, sobretudo porque os mais novos sentem essa verdade e autenticidade afetiva; recebem esse amor dos pais e sentem-se compreendidos e acarinhados. Quando tal não acontece, os pais podem dar tudo, podem comprar presentes caros e dar-lhes uma vida de luxo que os mais novos não vão valorizar, completam.
 
Pelo contrário, algo que os filhos evidenciam muito é a capacidade de os pais os aceitarem tal como são, de lhes darem liberdade de ação, de saberem concordar com eles e discordar, mas sem perder de vista o respeito pela diferença e pelas características de cada um. Esta base vai suportar também a forma como os filhos vão lidar com os pais numa idade  mais avançada, sublinham os especialistas.
 
Muitos filhos não conseguem entender a razão pela qual os seus pais são tão fechados no seu mundo e não dão espaço para compreenderem e aceitarem os mais novos, mas a verdade é que, esses adultos não encaram a parentalidade como uma relação de respeito mútuo, não entendem a importância de construir um vínculo saudável com os filhos e acabam por reproduzir o que também receberam dos seus pais, ou seja, exigência, autoritarismo, violência, críticas destrutivas, muito trabalho para poder sustentar a família e pouco ou nenhum espaço de diálogo, negação das opiniões dos filhos e daí por diante.
 
Por seu turno, os filhos sentem-se incompreendidos, pouco amados e acarinhados e tendem a procurar outro tipo de relações fora da célula familiar e desde muito cedo. Está uma relação perdida e a tendência não será para melhorar, pois quando os mais velhos não dão o primeiro passo para chegarem aos filhos, torna-se muito complexa a relação porque naturalmente os mais novos vão fazer uma de duas coisas: ou afastam-se e procuram o carinho em outras pessoas ou simplesmente acomodam-se e arrastam o sofrimento em silêncio, sempre sem vida própria, sem capacidade de reação e sem autonomia. Esta dor dá lugar a uma tensão familiar porque, mais cedo ou mais tarde, virá a lume esse mal-estar, o que desencadeia muitas discussões entre pais e filhos, sem esquecer os problemas mentais associados, pois o ser humano não consegue suportar esse modo de vida, muito menos prolongado no tempo.
 
Em resumo, os especialistas apontam as principais razões pelas quais os pais não conseguem compreender os filhos, respeitá-los e acarinhá-los:
 
- Muitos pais baseiam a sua educação na satisfação das necessidades básicas dos filhos, como sendo, alimentação, vestuário e um teto, pelo que não lhes dão nada para além disso.
 
- Muitos progenitores assentam a sua educação na disciplina e na exigência e não dão espaço para os afetos, para o diálogo, para poderem olhar para os filhos tal como são na sua essência e características.
 
- Para muitos pais, os filhos só começam a ter direitos quando são adultos, quando ganham o seu dinheiro e conseguem autonomia. Até então, têm de fazer o que os pais mandam e exigem, não dando qualquer importância aos sonhos dos mais novos, às opiniões, sugestões ou outras manifestações de individualidade.
 
- Uma relação baseada na distância não dá espaço a que se desenvolva uma ligação emocional, muito menos que se priorize o respeito e a compreensão, pois não há conversa, não há expressões afetivas ou qualquer tipo de proximidade.
 
- Há pais que se lançam ao trabalho e aos dias atarefados, acreditando que, assim, não só darão aos filhos o que precisam, como serão um bom exemplo. No entanto, não dão aos mais novos aquilo de que eles mais necessitam: atenção e tempo.
 
Outro fator refere-se ao estilo de personalidade dos pais e às consequentes lacunas na criação de um filho. A incompetência, o autoritarismo ou o narcisismo também estão na base dessa incompreensão dos cuidadores.
 
Há pais que não aceitam que os filhos reivindiquem o seu espaço e tomem as suas próprias decisões.
 
Nunca é demais recordar que, uma parte do nosso bem-estar psicológico é construída nesses anos de interação com as nossas figuras de cuidado. É graças aos nossos pais que, modulamos melhor as nossas emoções e temos a oportunidade de desenvolver um bom autoconceito e uma autoestima saudável.
 
Além do amor, cuidado e respeito, sem dúvida há a compreensão. Quando alguém chega à idade adulta com o desgosto de ter passado por uma série de etapas de desenvolvimento sem a compreensão dos pais, acaba por perder as forças para prosseguir e por desenvolver sentimentos destrutivos a seu respeito. É comum que estas pessoas se sintam invadidas pela tristeza, que sofram de ansiedade e depressão e que apresentem problemas de convivência com os demais.
 
Na posição dos psicólogos, estes filhos precisam de um acompanhamento intenso e eficaz para que possam dar a volta a essa carência profunda, sobretudo no caso dos mais novos que “fugiram “ dos pais e procuraram afeto e compreensão noutros familiares ou amigos, é importante dar um reforço nessa decisão e permitir que estes adultos desenvolvam uma vida conjugal saudável e que construam a sua própria família com outros valores.
 
Em relação aos filhos que se acomodaram à ausência de compreensão, respeito e afeto, é muito natural que exista muita instabilidade, problemas emocionais e dificuldades tanto em manter a relação com os pais como em vivenciar outros relacionamentos devido aos muitos sentimentos negativos acumulados.
 
Uma pessoa que cresce sem a compreensão dos pais, confronta-se muitas vezes com dúvidas acerca das suas próprias  qualidades e valor, pois quando aqueles que mais deveriam amá-la não o fizeram, surgem muitos medos, pânicos, fobias e sofrimento. Nestes casos, os especialistas aconselham a que se procure uma vida alternativa distante destes progenitores, pois se os mesmos não tiveram capacidade de dar amor, respeito e compreensão em todas estas fases, dificilmente o vão fazer na velhice.
 
Por muito doloroso que possa parecer tomar esta decisão, o facto é que se deve colocar em evidência que se trata de uma vida perdida quando não somos respeitados, quando não podemos pensar e sentir em liberdade. Lembremo-nos que, muitos destes pais se sentem traídos pelos filhos só por eles não os imitarem ou fazerem  o que eles mandam, o que demonstra bem o quanto estes filhos estão “amarrados” e sem possibilidade de encontrarem a sua vida e de seguirem o seu caminho.
 
O ser humano nasceu para se descobrir, para conhecer o mundo e para ser feliz, pelo que não se pode aceitar, de forma alguma, que alguém viva a vontade dos outros e ainda menos a dos pais, pois para além da dor que isso provoca, acaba por ser a base das relações que se vão seguir pela vida fora.
 
Uma pessoa que não é aceite e respeitada pelos pais, terá muito mais dificuldades em fazer-se respeitar por colegas, amigos e por um companheiro, já que está muito habituada a ser maltratada. Assim, é importante que procure ajuda e que saia dessa situação; dessa prisão emocional, o mais rapidamente possível, pela sua saúde mental e pela boa manutenção das relações que estabelecer com os demais.
 
Fátima Fernandes