A barreirista Anna Ryzhykova e a saltadora Maryna Bekh-Romanchuk preparam-se em Portugal para as competições de 2024, como os Jogos Olímpicos, e procuram sobrepor trabalho e resultados à preocupação de estarem ausentes de um país em guerra.
As duas atletas integraram um estágio em Monte Gordo, no concelho de Vila Real de Santo António, com planos para voltar à região em fevereiro, março e abril, após umas semanas na Ucrânia por ocasião do Natal, e contaram à agência Lusa as dificuldades que enfrentam desde que, em fevereiro de 2021, a guerra começou com a entrada de tropas russas no país.
“Foram dois anos loucos, complicados e duros para nós, sobretudo mentalmente”, afirmou Anna Ryzhykova.
Desde a invasão, em 24 de fevereiro de 2022, é segundo ambas, difícil treinar e competir na Ucrânia, pelo que os atletas confrontam-se com a incerteza de não saberem onde podem fazer a sua preparação.
“Deixámos as nossas casas com uma mala de viagem e andamos sempre com ela atrás, porque antes levávamos só o que precisávamos para a competição, depois voltávamos à nossa base de treino, mas agora é complicado porque não temos um local onde possamos ficar, relaxar e recuperar, andámos sempre nesta incerteza”, sustentou.
Os desportistas tiveram de se “habituar a estas novas circunstâncias” e “encontrar lugares” de treino, com atletas espalhados por diferentes países consoante a solidariedade, porque “não havia financiamento” e a localização dependia de “diferentes países e Federações que começaram a ajudar”, como no caso de Portugal e Vila Real de Santo António, que “disponibilizam as instalações desportivas de forma gratuita”.
Ryzhykova reconheceu que, logo após o início da guerra, a situação foi “mentalmente muito complicada”, porque tinha “um sentimento de culpa por estar num lugar seguro e poder treinar”, enquanto as famílias e os amigos se debatiam com a ofensiva russa.
“No início foi difícil, mas quando começaram as competições percebemos que atraíamos muita atenção e ajudava a passar a nossa mensagem e repor a verdade, porque a propaganda russa é muito forte, tentam passar uma ideia de que está a proteger a Ucrânia, a salvar a Ucrânia do nazismo, mas isso não corresponde à realidade”, assegurou.
A barreirista sublinhou que antes do conflito só pensava nas suas “ambições, sonhos e resultados”, mas agora o foco está sobretudo na importância de representar o país e dar visibilidade a quem não pode sair da Ucrânia e luta pelo seu país.
A saltadora Maryna Bekh-Romanchuk também admitiu que, quando a guerra começou, atravessou os “tempos mais complicados” da sua vida e confessou que, “nas primeiras semanas, o stresse era tanto que nem conseguia entender o que se estava a passar” e passou “dias a chorar”.
“Depois, vim para Monte Gordo e foi um tempo muito complicado, porque estava sempre a pensar na situação, não era possível treinar com a cabeça fresca, pensando apenas nos nossos objetivos, na competição, no futuro, porque estávamos e estamos sempre preocupados com o que se passa em casa, com a família, com o marido”, argumentou.
Maryna Bekh-Romanchuk disse que chegou até a pensar: “o que faço aqui? Se devo regressar a casa e ajudar no país, não é tempo para praticar desporto, de pensar na minha carreira”.
“Antes da guerra, saltávamos por nós, pelo treinador, pela família e depois pelo país. Agora pensamos primeiro no país, depois em nós e nos nossos resultados”, acrescentou a vice-campeã do mundo do triplo salto, frisando que agora salta também “por quem tem de ficar no país a combater, pelas crianças que não conseguem ter uma vida normal e praticar desporto” na Ucrânia.
Lusa