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«Quando a família não é um mar de rosas»

Há duas atitudes possíveis a tomar: ou arrastamos a dor ou afastamo-nos dela.
Há duas atitudes possíveis a tomar: ou arrastamos a dor ou afastamo-nos dela.  
Foto: (Freepik)
Crescemos com a ideia de que a família é um porto-seguro, um espaço de trocas, de afetos, de compreensão, proteção e de amizade, mas e quando não é assim?

Há pessoas tóxicas em todos os ambientes, seja no seio familiar, na escola, no grupo de amigos, entre os colegas de trabalho e daí por diante. Temos sempre duas atitudes possíveis a tomar: ou arrastamos a dor ou afastamo-nos dela e trabalhamos as emoções num outro sentido, sabendo que todos temos direito a viver com qualidade e bem-estar.
 
Quando aprendemos a noção de família, não nos é explicado que, um pai, uma mãe, um irmão ou qualquer outro membro pode ser um agressor, pode abusar de nós, pode agredir-nos física ou psicologicamente, muito menos nos é transmitido que, as pessoas que mais nos deveriam amar e proteger são, em alguns casos, os nossos maiores inimigos e quem mais nos expõe aos perigos.
 
Sabendo que, apesar de se continuar a mascarar muito a violência doméstica, esta existe e, faz “cair por terra” a ideia de que a família é um local seguro, onde os seus elementos são amados e acarinhados. Perante esta realidade, a vítima tem de decidir se quer manter o silêncio e o sofrimento ou se ganha força e coragem para, mesmo contra tudo e todos, dizer a si mesma que não merece ser maltratada e, ainda mais explicar à sociedade que não aceita esse modelo de vida.
 
Um dos grandes problemas que estas pessoas enfrentam é a pressão social e a insistência de muitos que, não conseguindo avaliar-lhe o sofrimento, sugerem que aguente e que tente mudar o rumo das coisas. Continua a ser muito comum que, em vez de se apoiar quem sofre, que se alimente o ego dos agressores. Passa-se isso com a mulher que é agredida e maltratada a todos os níveis pelo marido e, vive-se um cenário semelhante com os filhos que são sempre encorajados para aceitar, para se resignarem e para esperarem que o pai ou a mãe mude.
 
Por muito que queiramos manter a fachada da família tradicional, que ama e apoia os seus elementos, não se pode de forma alguma incentivar uma pessoa que passa por maus-tratos a permanecer numa relação tóxica e doentia. Esta pessoa tem de ser encorajada para sair desse ambiente e seguir a sua vida de uma forma mais equilibrada, saudável e com amor.
 
É uma ilusão afirmar que existe amor no seio de uma família violenta. É absurdo aconselhar alguém a permanecer num ambiente onde recebe ofensas, agressões e todos os tipos de violência. Não somos amigos quando apoiamos a continuidade da agressão, muito menos quando sugerimos que a pessoa aguente.
 
É um facto que é muito difícil sair de um ambiente violento sozinho, por isso, torna-se fundamental que se peça ajuda técnica especializada aos organismos de apoio e que, acima de tudo se pense diariamente que todos temos direito a reconstruir a nossa vida, a estar com pessoas que nos amam, que nós sejamos capazes de amar e que nos respeitem.
 
Temos de reunir forças para dizer á sociedade que, se há pessoas que têm direito a desfrutar de um lar saudável, com pessoas que se respeitam e aceitam tal como são, nem todos têm esse privilégio na sua família hereditária e têm de lutar por isso fora de casa, mas esse é um direito que lhes assiste, uma oportunidade de descobrirem o mundo além da violência e um ato de muita coragem e grandeza, pois alguém que rompe com aquilo que lhe foi dado no ato do nascimento e que conquista um percurso alternativo, é um herói ou uma heroína! É alguém que merece o nosso respeito e consideração.
 
Muita gente anda enganada ao apontar o dedo à mulher, ao homem, à criança, ao jovem que fugiu desse ambiente tóxico e que luta por uma vida melhor, tudo porque não sabe o que é sofrer, o que é viver num ambiente devastador, que arrasa com a autoestima, que faz disparar os níveis de ansiedade e alerta, que desencadeia episódios de pânico e pode dar lugar a transtornos mentais.
 
A vítima tem de se focar em si mesma, pedir apoio a quem está disponível para o prestar e desligar-se da crítica e dos conselhos de quem pouco ou nada sabe avaliar da sua vida. Cada pessoa sabe de si e faz a sua própria avaliação do seu sofrimento.
 
Quem tem a sorte de nascer e crescer numa família saudável, também deve ter a capacidade suficiente para respeitar quem não a teve e, se não sabe apoiar, pelo menos que não impeça que a pessoa siga o seu percurso alternativo, com vista á conquista da sua felicidade.
 
Temos de saber mais sobre o mundo para conseguirmos entender as razões que levam a que muitos filhos se afastem dos pais, para que aparentes casamentos de sonho terminem e para que muitas famílias vivam de costas voltadas. Em vez de julgarmos, devemos tentar entender. Se não o conseguirmos fazer, pelo menos, respeitemos a opção de cada um.
 
Fátima Fernandes