Existe uma tendência para descarregarmos as nossas frustrações naqueles que mais amamos.
Segundo a ciência, tratamos de forma amigável vizinhos, colegas ou conhecidos, mas temos «um menor cuidado no tratamento com aqueles que nos são mais próximos». Apesar de negativo, isso acontece com muita frequência e requer uma tomada de consciência para que se possa melhorar, aconselham os psicólogos entendidos nesta matéria.
Os cientistas não se referem a agressões de qualquer espécie (violência física, verbal, financeira, emocional ou outra) muito menos a comportamentos psicopáticos que também ocorrem, mas que não têm um enquadramento neste artigo, mas sim, a um grito, a uma má resposta ao companheiro/a, à falta de paciência para com os nossos filhos ou a um comentário infundado que não se justifica de forma alguma.
Perante um confronto, qualquer um de nós lamenta o sucedido e compromete-se a melhorar o comportamento, mas a verdade é que é recorrente que tal aconteça e que prejudique a relação familiar.
As principais razões que levam a que tratemos menos bem aqueles que amamos, prendem-se com o facto de passarmos muito mais tempo juntos, de partilharmos diversas situações agradáveis e desagradáveis e, de certa forma, também porque existe um grau de proximidade muito maior, logo acredita-se que o outro terá muito mais capacidade para nos entender e desculpar, explicam os especialistas. Mas se pensarmos sempre assim, corremos o risco de perder o respeito por aqueles que nos são mais queridos e por termos mais dificuldade em expressar o nosso verdadeiro amor. Ao mesmo tempo, torna-se mais fácil degradar a convivência e a vida dentro das quatro paredes pode tornar-se insuportável, alertam.
Tendemos a tratar melhor quem está fora de casa porque os encontros são pontuais, porque só estamos com essas pessoas para nos divertirmos e para passarmos bons momentos em conjunto e porque “vestimos a pele” de um personagem que pretende ser agradável e parecer bem aos olhos dos outros.
É verdade que, quando estamos mais tempo com as pessoas de fora do que com aqueles de casa, também acabamos por ser menos corretos, menos simpáticos e polidos e, mais facilmente nos salta um grito, um gesto menos correto e uma palavra menos amigável porque se instala uma rotina e naturalmente que nos revelamos, explicam.
«Seria muito mais agradável e interessante se conseguíssemos explicar a quem amamos que estamos cansados, aborrecidos com algo, com necessidade de estarmos sozinhos ou de simplesmente desabafar sobre aquilo que nos inquieta», já que, dessa forma, «evitaríamos magoar quem amamos», mas, na realidade, acreditamos que, quem está o nosso lado também nos ama e compreende tudo o que fazemos, mas nem sempre é assim».
Um outro ponto a ter em conta quando de tratar mal quem amamos se trata é que, na infância, muitas pessoas vivem experiências com os pais que causam diversas feridas, como abandono, rejeição, traição, agressão de vária ordem, abuso emocional, sexual ou outro, pelo que, na idade adulta, acabam por ter menos tolerância aos desafios do dia a dia e por facilmente descarregarem a sua frustração e raiva naqueles que lhes são mais próximos.
Neste caso em concreto, os psicólogos alertam para a necessidade de se trabalhar essa dor e feridas para que se possa melhorar a postura, sob pena de nunca se estar bem com ninguém e de nos tornarmos pessoas insuportáveis, agressivas, mal educadas e pouco dadas ao respeito.
Seja qual for o nosso passado, o mesmo não pode servir de pretexto para que tratemos mal os nossos filhos ou companheiro/a, sublinham.
Cabe a cada um de nós ir ao fundo das suas feridas e tentar curá-las da melhor forma. Para isso, existem muitas técnicas propostas pelos especialistas que visam precisamente aliviar esse sofrimento e melhorar a nossa saúde mental e as relações que estabelecemos com os demais, sugerem.
Ao mesmo tempo, quando alguém passou por momentos muito dolorosos em alguma fase de vida, se não tratou essas feridas, acaba por camuflar essa dor na sociedade e por descarregá-la com quem assim o permite em casa. Na maioria dos casos, são os filhos e o cônjuge o alvo dessa libertação emocional que se esconde durante todo um dia de trabalho, mas que acaba por sair sem filtros em casa.
Não é por acaso que, há pessoas muito bem aceites em sociedade, que são tranquilas e pacíficas, mas que se tornam verdadeiras feras dentro de casa, explicam os entendidos.
Alguém que foi vítima de um pai ou de uma mãe agressivos, tende a confundir a relação com o parceiro/a e, mediante um pequeno comentário, “fazer uma tempestade num copo de água” e reagir de uma forma desproporcional e desadequada que deixa o outro sem saber o que fazer ou o que pensar. Tal acontece porque, ao ser ativada essa memória, tendemos a reproduzir uma reação naquela pessoa, mesmo sabendo que o comentário não é para ela e que a mesma nem o merece, mas “saltou-nos” livremente devido á relação de proximidade que estabelecemos e à muita confiança adquirida.
Por fim, os entendidos alertam que, quando não nos sentimos seguros na nossa relação e tememos perder quem está ao nosso lado, tendemos a ser mais agressivos e explosivos, quando na realidade, deveríamos fazer exatamente o inverso para construir uma relação mais estável.
Ao tratarem mal o parceiro/a, as pessoas inseguras sentem-se mais fortes e protegidas porque acabam por causar mal estar, medo e submissão naquele que, sem saber como reagir, acaba por suportar tudo até conseguir. Dessa forma, o ato de tratar mal funciona como uma “arma poderosa” utilizada por quem tem muitos traumas e medo de repetir a infância ou adolescência dolorosas e reage com agressividade e posse. Trata-se de uma inferioridade interna e permanente que parece só ser aliviada com atos impulsivos, críticas constantes, ofensas e um mau ambiente que dá lugar à instabilidade do outro.
Tal também acontece porque a pessoa ferida fica incomodada com o facto de o outro ser mais livre e feliz e faz de tudo para o incomodar e retirar esse brilho e bem-estar, o que constitui uma atitude egoísta, manipuladora e reveladora de que não está bem consigo mesma e com o relacionamento.
Naturalmente que estas pessoas precisam de um acompanhamento psicológico para que possam trabalhar essas feridas e assumir uma postura de respeito para consigo mesmas e para com quem está ao seu lado, acrescentam os mesmos entendidos.
Também os filhos são vítimas destes comportamentos desajustados e agressivos porque estão numa posição de inferioridade e submissão, pelo que, se ninguém se insurgir, a escalada de más atitudes será uma constante podendo chegar á violência, alertam os especialistas.
No fundo, estas pessoas sentem-se envergonhadas pelo seu passado e muito vulneráveis, mas em vez de o confessarem e de se tornarem indivíduos melhores, acabam por arrasar as relações, por sofrer imenso e por causar muita dor a quem com elas coabita.
É de registar que, podemos sentir raiva, desgosto, frustração ou tristeza, mas não é saudável que esses sentimentos nos dominem e assumam o controle sobre os nossos comportamentos, pelo que precisamos de gerir melhor as nossas emoções, cuidar-nos carinhosamente, ouvir o nosso “eu” interior, tentar compreender o que se passa connosco, aceitar que estamos a magoar quem mais amamos e, acima de tudo, mudar de atitude; tentarmos ser melhores pessoas todos os dias, cuidarmos de quem amamos, expressarmos os nossos melhores sentimentos e aprender a substituir a tristeza, a raiva, a dor, as memórias negativas do passado por um bom desabafo, pela sinceridade de dizermos o que estamos a sentir e sermos vulneráveis ao ponto de nos fazermos entender e respeitar por quem amamos.
Nenhuma emoção justifica mal tratar alguém, por isso, se não conseguir superar a situação sozinho, peça ajuda profissional, recomendam os entendidos na área da psicologia.
Se tem por hábito descarregar os momentos de tensão, stress e ansiedade sobre aqueles que mais ama, procure refletir sobre as razões que o levam a essa conduta e opte por um estilo mais assertivo, amigável, honesto e afetuoso. É simples, basta conversar, estabelecer uma relação de confiança com os seus filhos e cônjuge e abrir a vossa relação a um diálogo franco e aberto, onde todos possam expressar-se, falar acerca do seu dia, do seu passado e daquilo que pode ser melhorado em prol da melhoria da qualidade de vida familiar. Este ponto é tão importante como garantir que consegue dar um bom sustento aos seus filhos, viver numa casa confortável e passar bons momentos em conjunto, concluem os entendidos nesta matéria.
Fátima Fernandes