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Pais à beira de um esgotamento

Foto - Depositphotos  
O burnout parental e os quadros de depressão ou ansiedade podem apresentar sintomas comuns, como a falta de energia, as alterações de humor, do sono e/ou do apetite.

Segundo os psicólogos, o burnout parental é uma síndrome caracterizada por uma exaustão avassaladora - não só física, mas também psicológica - associada ao exercício da parentalidade e ao cumprimento de todas as tarefas relacionadas com o cuidar dos filhos. Frequentemente, acaba por conduzir a situações de distanciamento e frieza por parte dos pais em relação aos filhos, ao mesmo tempo que aumenta a insatisfação daqueles em relação à forma como desempenham o papel de mãe ou de pai.
 
Essa frieza resulta da frustração que os pais sentem por não conseguirem corresponder ao que julgam ser-lhes exigido enquanto cuidadores e educadores, mas também do desejo de mudar aquilo que herdaram da educação dos seus pais e que não julgam correto repetir.
 
Na mesma sequência, muitos pais sentem-se esgotados porque são muito perfecionistas e exigentes, chegando ao ponto de nunca se sentirem satisfeitos nem com o seu desempenho, nem com o dos mais novos. Muitos estudos demonstram também que, há progenitores que se queixam da falta de informação que os ajude na tarefa de educar e que, não querendo fazer aos filhos o mesmo que lhes fizeram, acabam por não encontrar alternativas saudáveis. Sentem medo, ansiedade, frustração, desânimo e, aos poucos vão perdendo as forças e a vontade de estar com os filhos.
 
Quando estão com os mais novos de férias ou nos fins de semana, estes progenitores não sabem como ocupar os filhos, não se alegram com o facto de poderem estar em família porque estão sempre insatisfeitos, a pensar nos seus erros e falhas e a acumular preocupações, explicam os especialistas nesta matéria.
 
Segundo a psicóloga Tânia Correia, num apontamento da revista Simply Flow, «o aumento do número de papéis que os pais precisam de desempenhar em simultâneo, as expectativas irrealistas definidas pelos próprios e/ou pelos outros, combinados com as visões deturpadas que vão proliferando sobre a parentalidade, criam a imagem inatingível de mãe/pai que sabe sempre como agir e não perde o controlo em nenhum momento». A comparação com essa imagem faz com que mesmo experiências saudáveis de parentalidade pareçam pouco satisfatórias, completa acrescentando que, «alguns pais vivem numa espécie decorrida em que a meta nunca é atingida».
 
Na realidade «essa meta não existe – por muito que alcancem, não conseguem avaliar se será o suficiente. O medo de as suas crianças sentirem o mesmo que estes sentiram lá atrás faz com que o seu objetivo seja manterem-nas felizes a todo o instante», explica.
 
Ao longo do tempo, os efeitos desta patologia podem começar a ser sentidos nas diversas áreas da vida. Por exemplo, sem que haja descanso, o rendimento no trabalho poderá diminuir bastante, criando problemas neste campo. Assim sendo, é possível afirmar que o burnout parental é um fator de risco para o desenvolvimento de outros quadros, alerta a mesma psicóloga.
 
Por existir uma rigidez e um nível de exigência elevados, cada tarefa ou interação com os filhos, torna-se penosa. A dada altura, assegurar a “felicidade” ininterrupta dos filhos é a maior fonte de infelicidade dos pais que fazem de tudo para os ver felizes, mas que se esquecem de si mesmos e que passam a evitar o mais que podem estar com as crianças ou jovens para não falharem, não se sentirem mal e culpados.
 
Há também pais que fazem tudo pelos filhos e que não colocam limites. Não fornecem regras ou disciplina e depois sentem mais dificuldades em cuidar dos filhos e, ao mesmo tempo, também não se autodisciplinam de forma a poderem gerir o que devem dar aos mais novos e aquilo que não podem e não devem fornecer. Por exemplo, dar tudo para compensar a ausência, dá lugar a que a criança desvalorize tudo em pouco tempo, pois o que mais deseja é estar com os pais nem que seja por alguns minutos diários. Não ensinar as regras conduz a comportamentos inadequados que exigem muito mais esforço por parte dos pais, não ser capaz de dizer “não” sempre que necessário e estabelecer momentos de brincadeira de forma a que os adultos tenham algum tempo para si, também provoca muito desgaste e deteriora a relação entre pais e filhos.
 
A psicóloga Tânia Correia também chama a atenção para o facto de as baixas competências emocionais dos progenitores serem outro fator de risco. Ao terem dificuldade em identificar e expressar aquilo que sentem, irão ter maior dificuldade em regular-se e em lidar com o leque emocional dos filhos, procurando mantê-los na única emoção que consideram ajustada: a alegria. Nestes casos, verifica-se também que muitos dos seus recursos internos são consumidos pelas feridas da sua história de vida, ativadas na interação com a criança, a tentar fugir delas, na tal corrida sem meta.
 
Por estes motivos, torna-se fundamental escolhermos, de forma intencional, nos momentos desafiantes para onde iremos canalizar os nossos recursos – se para o problema ou para a solução – através de um olhar flexível e empático connosco, sugere a mesma especialista.
 
«A par disso, a porta que nos permite visitar a nossa história precisa de estar aberta ao ponto de conectarmos a criança que permanece em nós com o adulto que vemos ao espelho», regista.
 
Numa primeira fase, os sintomas de burnout parental podem ser confundidos com o cansaço normalmente associado às funções parentais. No entanto, se os sintomas relatados forem em grande número e muito intensos, além de frequentes e persistentes no tempo, então, é possível que se esteja perante um caso de burnout parental. Entre os sintomas contam-se:
 
Exaustão física e mental (sensação de esgotamento)
 
Maior irritabilidade e intolerância
 
Ansiedade
 
Depressão
 
Fadiga crónica
 
Confusão mental
 
Perda de interesse em assuntos ou atividades que antes suscitavam motivação
 
Problemas relacionados com o sono
 
Dificuldades de memória
 
Sentimentos de frustração, ressentimento e/ou zanga
 
Sentimentos de culpa e/ou vergonha em relação à forma como desempenha o papel de mãe/pai
 
Vontade de isolamento
 
Menor produtividade
 
Distanciamento / desapego emocional em relação à criança
 
Comportamentos obsessivo-compulsivos e/ou violentos (nomeadamente em relação à criança)
 
Consumo excessivo de álcool e/ou recurso a drogas
 
Alterações do apetite
 
Aumento de conflitos com o outro elemento do casal
 
Pensamentos suicidas
 
Quanto mais depressa se reconhecer a existência de um problema, mais rapidamente se darão passos no sentido de o resolver, procurando ajuda que abra portas a soluções e permita uma mudança de comportamentos, alertam os entendidos.
 
Este fenómeno parece ser mais comum nos países ocidentais, sobretudo os mais ricos, onde a taxa de natalidade é mais baixa e onde existe uma cultura mais individualista. Entre as possíveis justificações destaca-se o facto de, nestes países, os pais beneficiarem de menos ajuda da família alargada na educação das crianças, além de que se verifica um maior culto da performance e do perfecionismo nas diversas dimensões da vida.
 
Alguns fatores que podem potenciar o burnout parental são:
 
Perfecionismo e expectativas irrealistas sobre a parentalidade
 
Acompanhamento excessivo da educação dos filhos
 
Exigência dos projetos profissionais de ambos os elementos do casal, os quais se tentam conciliar com a maternidade / paternidade
 
Ausência de apoio do outro progenitor
 
Inexistência de rede familiar / social de suporte
 
Falta de tempo para se estar só, a fazer algo de que se gosta ou a cuidar de si próprio
 
Dedicação exclusiva aos filhos, negligenciando outras dimensões da vida
 
Dificuldade em delegar tarefas
 
Horários sobrecarregados de atividades extracurriculares dos filhos
 
Problemas de saúde de um filho, com a exigência de cuidados que requer
 
Existência de filhos com menos de 5 anos de idade
 
Parentalidade em idade precoce (menor experiência)
 
Problemas financeiros
 
Segundo uma publicação da Cuf, perante uma situação de cansaço relacionado com o exercício parental, há algumas mudanças que podem ser feitas para ajudar a atenuar a exaustão e a prevenir o burnout parental:
 
Comunicar mais e melhor
 
A partilha de sentimentos com o outro progenitor é fundamental para que se perceba o que se passa e, em conjunto, encontrar estratégias com vista a melhorar o dia a dia. Sem comunicação, a situação tenderá a piorar, podendo vir a minar a própria relação de casal. No caso de famílias monoparentais, é importante fazer esta partilha com um familiar ou um amigo próximo. Pode ser igualmente relevante conversar com outros pais que vivam situações idênticas.
 
Baixar as expetativas
 
É impossível ser-se perfeito a tempo inteiro. A consciência disso ajudará a pessoa a aliviar a pressão, permitindo-lhe desfrutar mais da parentalidade. Colocar de lado as comparações, eliminar a culpa e a vergonha por não corresponder a ideais impossíveis de alcançar e baixar as expetativas para patamares realistas são passos fundamentais.
 
Cuidar de si
 
Reservar tempo para se estar só é precioso em situações de exaustão: permite aliviar a pressão, abre tempo para o autocuidado (técnicas de meditação e relaxamento, por exemplo) e para a realização de tarefas que proporcionam prazer, como ler um livro, ver uma série, jardinar, tocar um instrumento musical ou estar com os amigos (sem a presença de crianças).
 
Praticar atividade física
 
Sabe-se que o exercício físico contribui para aumentar a energia e o bom humor, ajuda a reduzir o stress e a combater a depressão, já que estimula a produção de hormonas responsáveis pelo bem-estar. O ideal é escolher uma atividade de que se gosta particularmente, podendo bastar, por exemplo, uma caminhada pela manhã ou uma corrida ao fim do dia.
 
Adotar uma alimentação saudável
 
Em situações de exaustão é comum não se conseguir reunir energia suficiente para preparar refeições nutritivas, optando-se por comidas processadas e de confeção rápida, o que não é o ideal. Para combater o burnout, é importante apostar em refeições equilibradas e ricas em nutrientes, bem como resistir à tentação de beber álcool em excesso.
 
Reavaliar as agendas
 
Reduzir as atividades extracurriculares das crianças pode ajudar a ultrapassar situações de burnout parental, ou ainda rever prioridades em termos de compromissos assumidos. Hoje, as agendas das crianças são quase tão preenchidas quanto as dos adultos, pelo que importa analisar o que é verdadeiramente essencial, substituindo o supérfluo por uma atividade mais útil.
 
Pedir ajuda
 
Para algumas pessoas, este passo é difícil, mas é fundamental para se sair de uma situação de fadiga crónica. Pedir ajuda a amigos ou familiares para a gestão da rotina - por exemplo, para ficarem com as crianças durante uma noite, ou para as irem buscar à escola pontualmente - pode ser importante. Da mesma maneira, recorrer à ajuda de um profissional de saúde, nomeadamente, o médico de família, um psicólogo ou um psiquiatra, pode ser essencial.