Entramos no hall de entrada de uma casa no Bairro dos Três Bicos, em Portimão, e percebe-se de imediato que aqui o Natal não se monta: constrói-se. À nossa frente está um presépio que ocupa o espaço quase por inteiro, denso de figuras, histórias e memórias. Há tanto para ver que o verde da musgueira quase desaparece, engolido por décadas de acrescentos cuidadosos.
A autora é Mariana da Silva Figueiras, conhecida por todos como Mariana dos 3 Bicos. Vive neste bairro há 73 anos, desde que aqui chegou ainda menina, pela mão da mãe. Hoje tem 77 anos e mantém um ritual que atravessa gerações, sem falhar um único Natal.

A tradição não começou aqui. Veio de Odemira, onde a mãe, Assunção, já fazia o presépio com os materiais possíveis. "Naquele tempo, fazia-se com o que havia", recorda Mariana. Laranjas a servir de base, searas feitas à mão, pequenos arranjos improvisados que enchiam a casa de sentido mais do que de ornamento. Era assim que se enfeitavam as casas, com engenho e devoção.
Quando se mudou para Portimão, a tradição não ficou para trás. Pelo contrário: ganhou raízes novas. Ano após ano, Mariana foi acrescentando figuras. Nunca muitas de uma vez. Uma aqui, outra ali. Um animal novo, mais um anjo, um pastor diferente. Setenta e três anos depois, o resultado é um presépio onde quase não há espaços vazios.
"Todos os anos comprava uma coisa", diz com naturalidade, como se falasse de algo simples. Mas basta olhar com atenção para perceber que ali há persistência, cuidado e um olhar atento ao detalhe. Algumas figuras são tão antigas quanto a própria chegada ao bairro. Uma Nossa Senhora e outros bonecos desse tempo continuam "impecáveis", como faz questão de sublinhar.

Há ovelhas em número difícil de contar, cães "uns dez", garante, e uma variedade de personagens que fazem deste presépio mais do que uma cena bíblica: é um pequeno mundo. Tudo está disposto com gosto, iluminado por luzes que todos os anos encontram novo lugar no espaço já cheio.
Não há aqui pressa nem espetáculo. Há continuidade. Mariana faz o presépio porque sempre o fez. Porque gosta. Porque sabe fazê-lo. E porque, enquanto houver mais uma figura para acrescentar, o Natal continua a crescer dentro de casa.
Num tempo em que tantas tradições se perdem, este presépio lembra-nos que o Natal também pode ser isto: um gesto repetido, paciente, passado de mãe para filha, que transforma um hall de entrada num lugar de memória viva. Em Portimão, nos Três Bicos, o Natal vê-se: e quase não se vê o verde.
Texto e fotos - Nuno Miguel Neto