Na realidade, falta-lhes tudo para que sejam crianças e para que se desenvolvam saudáveis e felizes, dizem os especialistas em comportamento humano.
Os meninos e as meninas de hoje vivem absorvidos pelos ecrãs não porque só gostam disso, mas porque não têm mais nada para fazer. Os pais oferecem-lhes um aparelho que as ocupa, vicia, envolve e retira o prazer de viver outras aventuras para além do seu quarto, da cama onde se deitam para conversar com alguém que as ouça mesmo que seja à distância.
À mesa, todos os caminhos vão parar aos ecrãs. Os pais estão a ver as últimas atualizações das redes sociais, os vídeos que não puderam acompanhar durante o tempo em que estavam a trabalhar e os filhos seguem o exemplo. Ninguém fala com elas, ninguém as ouve e, como não fazem barulho, todos acreditam que está tudo bem.
Os miúdos são cada vez mais “bonzinhos e caladinhos” não porque querem ou porque a sua natureza infantil tenha mudado, mas porque só mexem os olhos e os dedos para pesquisar nos ecrãs e, quando tentam falar sobre o que sentem, sobre o que lhes aconteceu no seu dia, os pais estão ocupados, cansados, sem paciência porque também querem mergulhar nos ecrãs, esquecer o dia de trabalho, as filas de trânsito e o chefe mal-humorado. Como os filhos não insistem quando estão ocupados com os ecrãs, continuamos a acreditar que está tudo bem. Mas não está. Não está nada bem.
As crianças são irrequietas e barulhentas por natureza, precisam de correr, saltar, brincar, conversar, perguntar e de alguém que esteja ali só para elas nem que seja durante alguns minutos por dia. Como não está ninguém, acabam por procurar ocupação nos ecrãs e o seu desenvolvimento vai ocorrendo como se analisassem o mundo através de um microscópio. Nada sabem, não pensam acerca da realidade, conhecem o mundo virtual, têm de aprender a lidar com a frustração dos gostos que não chegam e que não se entende porquê, são avaliadas por pessoas que desconhecem e aceitam a opinião de quem as ofende nas conversas e que mal as conhece ou reconhece o valor.
Estão expostas a muitos perigos, mas não brincam na rua porque existe medo do mundo. Saem da escola e continuam ligadas aos ecrãs até irem para a cama. Passam-se os dias, os meses e os anos e, a infância passou sem se terem apercebido de que tinham direito a brincar, a conversar, a partilhar afetos e a aprender o mundo real; a vida verdadeira. Entram na adolescência e o sistema mantém-se. Prossegue o mundo virtual, agrava-se o tom, a exigência, as críticas sobre a sua imagem e continuam a ter de aprender a lidar com a falta de aprovação dos outros ou com os elogios fúteis e as críticas ferozes de quem não sabe mais de si para além do tal microscópio. Mas, como não dizem nada, está tudo bem. Mas já alguém lhes perguntou olhos nos olhos, como estás a sentir-te, gostas da escola, como é a tua relação com os colegas? Não. Eles não se queixam, está tudo bem.
E com quem é que eles falam, sabe? Não. Eis mais um problema, uma criança que não tem com quem falar em casa, vai procurar essa atenção nos ecrãs e, nem sempre são as melhores companhias, mas acredita-se que é mais seguro que estejam fechadas em casa do que levá-las ao jardim ou a um outro lugar onde possam contactar com a natureza, brincar com os pais, amigos e até outras crianças desconhecidas, mas com a mesma vontade de brincar.
As crianças de hoje não usam e abusam dos ecrãs porque querem. Usam-nos porque não têm mais nada para ocupar o tempo. E, não serve de nada compensar a ausência dos pais com um novo smartphone, uns ténis novos ou umas calças de marca. Os miúdos precisam mesmo é do tempo dos pais. Precisam mesmo é de alguém que converse, que os ouça e que lhes ensine o que não sabem. Precisam mesmo é de brincar, libertar as tensões acumuladas, desabafar os medos e inseguranças, aprender a viver com os mais velhos para que possam inspirar-se e proteger-se do mundo.
É verdade que o nosso mundo é diferente e que as crianças de hoje não se comparam às das gerações anteriores, mas precisam do mesmo amor, atenção, compreensão, respeito e tempo. O tempo sem distrações eletrónicas, o tempo que é só para elas e que deveria ser proporcionado pelos pais. O tempo de simplesmente estar. O tempo para lhes mostrar o amor que sentem, o tempo para libertar sorrisos, emoções, para experimentar algo novo, fazer aventuras, serem felizes em conjunto.
Como queremos que os nossos filhos sejam felizes se não lhes proporcionamos o que realmente produz alegria e felicidade? O ser humano precisa de contacto presencial, do toque, do olhar, de sons, cheiros e sensações variadas. Sem isso, tornamo-nos máquinas, infelizes, apáticas, desmotivadas e sem satisfação pela vida.
Com os seus exemplos, os pais podem fazer toda a diferença entre desfrutar de relações afetuosas, empáticas e gratificantes ou manter a distância e um smartphone que comanda tudo nas suas casas. A decisão é sempre de cada um, mas as consequências vão dando mostras de fracasso.