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Famílias que discutem “por tudo e por nada”

Pais que falam aos berros, não podem esperar que os filhos saibam conversar e respeitar os outros.
Pais que falam aos berros, não podem esperar que os filhos saibam conversar e respeitar os outros.  
Foto: Freepik
Há famílias que estão tão habituadas a falar aos gritos, com base em críticas ferozes, palavrões e gestos agressivos que já não sabem comunicar de outra maneira.

Na posição dos especialistas, a convivência familiar é uma conquista que se deseja harmoniosa e equilibrada, no entanto, ainda é muito comum que, membros de uma mesma célula familiar não saibam respeitar-se, comunicar de forma assertiva e simpática e que optem pela violência física e verbal, pela incapacidade de ouvir o outro, por impor as ideias do mais forte, por minimizar os mais fracos e daí por diante. Este é um tipo de convivência tóxica que não dá espaço a que as pessoas se conheçam, se entendam, que consigam conversar, trocar pontos de vista ou partilhar o que quer que seja.
 
Por norma, nestas famílias existem dois ou três elementos que ultrapassam as regras de boa convivência social e que as projetam no seu “eu”, como exemplo para todos. Determinam a forma como cada um se deve comportar, só aceitam o que lhes faz sentido e criticam tudo ao seu redor, não dando abertura para que algo novo aconteça porque precisam dessa forma de autoritarismo para se sentirem confortáveis.
 
Na mesma sequência, também há núcleos familiares que se baseiam tanto nos conflitos que não há espaço para a partilha de ideias e de gestos carinhosos e harmoniosos. As pessoas não se escutam umas às outras, falam todas ao mesmo tempo, cada um fala mais alto do que o outro para se fazer ouvir, há interrupções frequentes, mudanças de assunto e ninguém se entende.
 
Há células familiares em que o facto de se sentarem à mesa todos juntos implica logo que alguém se evidencie, que comece a falar infinitamente e que não haja espaço para o diálogo porque simplesmente aquele que se institui como líder não se cala e não respeita que os outros não o queiram ouvir ou que também tenham algo a dizer. Este tipo de relação familiar também é caótico e insuportável e, com o tempo tende a desmembrar-se porque cada vez há menos pessoas interessadas em ouvir aquele que acredita que é melhor do que os outros.
 
Também acontece com alguma frequência que duas ou três pessoas dominem os assuntos, que falem, que riam entre si e que os demais apenas sejam espetadores passivos e aborrecidos com a situação.
 
Há casos em que se discute e cada um segue o seu caminho, há outros em que se alimenta este tipo de convivência por algum interesse e, em muitos outros dá-se o afastamento e a família fica cada vez mais reduzida.
 
É importante que todos tenham em mente que, uma família é um grupo e, tal como qualquer outro, exige regras e respeito por todos os seus elementos. Quando nos sentamos à mesa com outras pessoas, devemos estar preparados para falar, mas também para ouvir e, esta regra estende-se a todos, não é só para alguns, explicam os entendidos.
 
Depois, não é por se tratar de uma família que há lugar para se dizer tudo o que se pensa ou para se fazer tudo o que se faz quando estamos na nossa privacidade. Há regras que devem ser cumpridas, sendo que a delicadeza e o respeito devem estar sempre presentes, pois “as boas maneiras” são a base para que qualquer grupo funcione.
 
Não devem existir líderes de opinião, muito menos pessoas com um estatuto privilegiado, sob pena de os restantes membros da família não se conseguirem enquadrar. Ao mesmo tempo, a família tem de decidir se quer ou não aceitar os novos elementos que a integram como sendo por exemplo, genro ou nora, netos e daí por diante, pois caso contrário, o conflito está sempre a subir de tom.
 
Na posição dos entendidos, uma família, apesar de ter a sua tradição, tem de ser um grupo aberto à mudança, uma vez que as novas gerações também precisam de ter o seu lugar tal como quem chega por afinidade, sob pena também de o grupo ficar mais restrito quando não existe essa continuidade.
 
Também não nos podemos esquecer de que, uma pessoa que cresceu num mau ambiente familiar, terá muita dificuldade em enquadrar a sua família num contexto positivo. Assim, é fundamental que se incluam os filhos à mesa, que se dialogue, que se use uma comunicação harmoniosa e assertiva para que não se repitam os erros do passado. É imperioso que os pais deem o exemplo para que os filhos se saibam comportar nos mais variados locais, para isso, todos devem aprender a conversar num tom baixo, falar um de cada vez, ouvirem-se uns aos outros, esperar que cada membro termine o seu raciocínio e respeitar uma opinião diferente. Todos devem ter direito a participar nas conversas, mas sabendo aguardar a sua vez. Os pais devem saber que são eles quem têm a responsabilidade de ensinar estas regras aos filhos, pelo que, quando as crianças não sabem o que fazer, vão precisar do exemplo dos adultos e de uma linha de orientação, lembram os entendidos.
 
Pais que falam aos berros, não podem esperar que os filhos saibam conversar e respeitar os outros. Adultos que dizem palavrões não podem contar que os filhos não os digam, tal como os pais que não respeitam a opinião dos filhos, acabam por ser criticados por tudo numa fase mais avançada de vida, registam.
 
Na posição dos especialistas em terapia familiar, é impossível que uma família não passe por momentos de conflito, por tensões e por situações menos agradáveis, no entanto, é desejável que se aprenda a superar esses pontos negativos para que se possa retomar anormalidade, ou seja, aquilo que se baseia no respeito, na compreensão e na construção de laços afetivos entre as pessoas.
 
Para tal, é importante que se desenvolva a gestão emocional e uma profunda vontade de resolver os problemas, sem esquecer a disponibilidade para mudar algo que possa não estar  bem.
 
Cabe aos mais velhos e experientes a responsabilidade de ditar as regras para que uma família funcione de forma saudável e agradável, mas nem sempre estes conseguem reunir essas qualidades e competências, pelo que, em muitos casos, torna-se essencial o apoio profissional de um terapeuta familiar para ensinar qual o melhor caminho a seguir.
 
Uma resolução essencial é que as pessoas gostem umas das outras e que queiram viver em harmonia debaixo do mesmo teto.
 
Outro ponto chave é a família mais alargada também aceitar e assumir que quer manter-se unida e em harmonia , pelo que todos os elementos terão de fazer a sua parte, seja no núcleo familiar, seja quando se juntam pais, avós, sogros e demais familiares. Quando a família se assume com todas as suas letras tal é possível, mas também há muitas situações em que se torna impraticável que tanta gente se entenda e que defenda os valores da família, alertam os entendidos.
 
É ainda fundamental ter em consideração que, os conflitos familiares tendem a ser sempre os mesmos, o que aumenta o sentimento de resignação e a pouca vontade de fazer algo para mudar, no entanto, é possível fazer algo novo quando se quer e quando se deseja muito estar com aquelas pessoas. Por exemplo, pais que não querem perder um filho, acabam por ter de transformar algo na sua conduta para que a convivência se torne possível e agradável, mas quando ninguém quer sair da sua zona de conforto, torna-se complexo melhorar e sentar todos à mesma mesa.
 
Numa família onde alguém se assume como o líder e fala durante horas para ser o centro das atenções, é recomendado que o dono da casa, por exemplo, modifique algo numa próxima vez. Pode mudar os lugares onde as pessoas se sentam, inverter a ordem de chegada dos convidados e sugerir um tema inicial para que todos conversem sem permitir que alguém seja o “dono da verdade ou da palavra”. Esta é a regra para muitos conflitos: cortar com algo que está instituído e que faz com que os outros percam a esperança e que se afastem, mas tenha em mente que é sempre preciso alterar algo, sob pena de tudo voltar ao mesmo. É preciso força, determinação e ter muita vontade de manter a família unida. Quando os pais já não têm força para fazer isso, devem ser os filhos a instituir um novo modelo, sugerem os entendidos.
 
Passar a encarar o momento da refeição como um prazer, um tempo para partilhar ideias, para ouvir histórias familiares e vivências que podem ser mais ou menos engraçadas, mas sem ofender quem quer que seja, é uma alternativa positiva para todos e contrasta com o modelo anterior de a mesa ser um palco para discussões, explicam os especialistas.
 
Tudo depende da forma como encaramos as situações e os objetivos que temos em mente: se queremos discutir, será essa a base, se queremos conviver, também será esse o suporte.
 
Por fim, os entendidos registam a importância de um diálogo aberto, sincero,  com espaço para que cada pessoa se expresse, mas sempre com base no respeito por si mesma e pelos outros, criar um espaço de afetos que contrasta e muito com a ideia de que se vai para a mesa discutir e optar por ser empático; tentar entender o outro e exigir também essa compreensão.
 
É um facto que as relações familiares são o principal veículo para a socialização e para a ligação ao mundo de um ser humano, mas isso não quer dizer que tenhamos de passar por esse processo da pior forma! Faz sentido que se aprendam as tais boas maneiras no ambiente que se diz e quer mais seguro e confortável do mundo: a família, logo todos têm de zelar por isso e, quando não se consegue no grande grupo familiar, pelo menos deve tentar-se entre pais e filhos, recomendam os especialistas nesta matéria.
 
Fátima Fernandes