Inspetor da Polícia Judiciária de Portimão, Luís Costa divide o seu dia entre a justiça e o desporto. É atleta paralímpico, único português medalhado na modalidade em campeonatos do mundo.
A pandemia veio dificultar os apoios, mas graças à Câmara Municipal de Portimão, vai competir sem preocupações financeiras. O Algarve Primeiro entrevistou Luís Costa, que falou sobre a sua carreira, Portimão e dos planos para o futuro.
No dia do seu 30º aniversário, sofreu um grave acidente de viação que o levou a ter que amputar uma perna. Como foi todo o processo?
Não vou dizer que foi uma reviravolta total, eu praticava desporto e continuei, a diferença foi que me tive de adaptar. Gostava mais de correr e logicamente, sem uma perna, se tornou diferente e tive de me limitar ao exercício de ginásio. Isto numa primeira fase, nos primeiros anos. A nível de dia a dia, a minha vida continuou igual.
É inspetor da Polícia Judiciária. De que forma mudou a sua vida profissional?
Não mudou nada, ficou exatamente igual. Mudou mais recentemente pela prática desportiva, da competição. Tenho o estatuto de alto rendimento e, a partir do momento em que se tornou mais sério e os treinos mais exigentes, mudou.
Passou da prática do desporto por lazer para o federado, virando-se para o paraciclismo. Como descobriu a modalidade? Experimento outras?
Não experimentei outras, o paraciclismo foi mesmo por acaso. Teve muito a ver com a cobertura que a comunicação social deu aos Jogos Paralímpicos de Londres, em 2012, e chamou-me à atenção do Alessandro Zanardi, que tinha tido o acidente uns anos antes, que o levou a ter que amputar as pernas. Foram os primeiros jogos dele, vi a notícia em algum jornal e tive curiosidade. Estava um pouco saturado do ginásio e pensei, “isto é uma coisa que podia fazer para fugir a estar entre quatro paredes”. Fiz uma pesquisa e, quando dei por isso, ao fim de uns meses, já tinha uma One Bike e, passados mais alguns, estava a competir numa taça do mundo contra o Alessandro Zanardi.
Como é a sua rotina desportiva?
Treino seis dias por semana, tenho um dia de descanso. Por norma faço nove treinos. Dia sim, dia não, tenho dois treinos. Um de manhã, antes de trabalhar, e outro depois, ao final do dia. Quando só treino uma vez, faço-o de manhã. Das sete da manhã às dez da noite, não paro.
Como funciona a modalidade do paraciclismo?
Em Portugal, está em franco crescimento. De ano para ano, o número de provas vai aumentando. Neste momento temos sempre seis a sete provas, desde taças a campeonatos. O número de atletas também tem vindo a aumentar, não tanto como eu gostaria, mas está em expansão e os resultados internacionais, que nós, atletas, temos tido num patamar mais elevado, têm vindo a impulsionar esse crescimento, e esperamos cada vez mais.
Nos recentes Jogos Paralímpicos realizados em Tóquio, terminou em 6⁰ lugar na prova de fundo. Quais as sensações de representar Portugal? Os resultados foram dentro das expectativas?
Representar Portugal é algo de que muito me orgulho. Não é inédito, já levo mais de 50 representações. Mesmo a nível de emoção, não foi novidade porque já tinha estado nos Jogos Paralímpicos no Rio de Janeiro. Correu bem, talvez um pouco melhor do que o que eu esperava. Fiz duas provas, uma de contrarrelógio e uma de fundo. Na primeira, fiquei um pouco desiludido porque não consegui pôr em prática aquilo que tinha preparado, estava bem fisicamente e acreditava que podia entrar no top 5, e isso não aconteceu. Em compensação, no dia seguinte, correu muito bem, não só pelo resultado, fiz toda a prova até ao último quilómetro na expectativa de chegar ao 4º lugar. Um problema técnico no final colocou-me fora dessa luta, mas fiquei muito satisfeito por ver que afinal, ao contrário do que pensava há seis meses, não estou ainda próximo do fim da carreira. Apercebi-me que ainda tenho algo para dar e estou motivadíssimo para competir nos próximos três anos e lutar para estar nos Jogos Paralímpicos que se vão realizar em Paris.
A sua carreira é recheada de bons resultados e conquistas. Qual foi a mais marcante?
O mais marcante foi a medalha de bronze no campeonato do mundo em 2017, quando me consegui incluir no grupo de candidatos às medalhas a nível mundial. É uma pequena diferença para aqueles que não conseguem chegar às medalhas, mas estão a lutar por elas. O que faz o quarto lugar todos se esquecem, mas uma medalha é uma medalha. Talvez como segundo é o primeiro dos últimos, o quarto é a medalha de chocolate (risos). Eu fiz alguns quartos lugares em campeonatos do mundo, mas desses ninguém fala, da medalha sim. Foi a primeira e única medalha, até à data, do paraciclismo português em campeonatos do mundo. Esse para mim foi o momento mais marcante, já passaram quatros anos e ainda é aquela medalha que me leva a pensar, “se consegui esta, tenho condições para conseguir igual ou melhor”.
É natural de Castro Verde. Quando é que se dá a sua mudança para Portimão?
A mudança deve-se a questões profissionais, acabei por ficar porque gosto muito da cidade. Gosto de estar aqui, a qualidade de vida é excelente e, neste momento, sinto-me portimonense.
Recentemente, foi notícia de que recebeu patrocínio por parte do município de Portimão. Como surgiu a abordagem e qual a sua reação?
Em 2020, competi pelo Centro de Ciclismo de Portimão e, já nessa altura, foi com o apoio do município, para que ficasse lá. Esse apoio permitiu ao Centro de Ciclismo dar-me condições para que eu pudesse correr por um clube da terra. Este ano, optei por correr como individual e infelizmente a pandemia veio ainda piorar a situação que já era má a nível de patrocínios e apoio aos atletas. Foi péssimo para mim, gastei muito dinheiro do meu bolso e era mais uma razão, juntando-se à idade, que me estava a fazer pensar terminar a carreira. Nisto, entra o Município, que veio antes dos Jogos Paralímpicos de Tóquio demonstrar disponibilidade em contribuir com um patrocínio para que tivesse as condições para continuar, aliviando o meu fardo económico esta época.
O que reserva para o seu futuro? Que expectativas tem?
O futuro passa por preocupar-me com o próximo ano, é o primeiro de qualificação para os próximos Jogos Paralímpicos em Paris. Como houve o atraso de um ano, não vai haver o chamado “ano zero”, de descanso. Quero empenhar-me já para ajudar Portugal a conseguir a primeira vaga para o paraciclismo e fazer bons resultados no europeu e mundial, para mostrar que ainda estou e com condições para os próximos Jogos. Vamos por fases. Primeiro campeonato da Europa, depois o do mundo, taças do mundo e a qualificação para os Jogos Paralímpicos. Vamos ver como corre.
Hoje, com aos 48 anos, que mensagem quer deixar a quem o apoia e também a quem irá passar ou está a passar por um processo semelhante ao seu?
Nunca desistam! Lutem pelos vossos sonhos. Não só a deficiência, como a própria idade, qualquer outro problema, não são motivo para não tentarmos, para não lutarmos pelas coisas. Se não tentarmos, nunca saberemos se vamos conseguir ou não. É para lutar pelos sonhos, para se concretizarem. Se dermos o nosso melhor, pelo menos ficamos de consciência tranquila, de que demos tudo e fizemos tudo o que podíamos para os alcançar, e não ficamos nas dúvidas dos “ses”. Vamos deixar os “ses” de parte e fazer alguma coisa.
Entrevista publicada a 22 de detembro de 2021