A violência psicológica, financeira, física e sexual por parte dos companheiros sobre as mulheres acontece em várias idades e diferentes estratos sociais. Muitas vezes, são os filhos que as fazem fugir aos maus tratos, como relataram à Lusa duas vítimas de violência doméstica.
A propósito do Dia Internacional da Eliminação da Violência Contra as Mulheres, que se assinala no dia 25 de novembro, Amélia (nome fictício), então com apenas 23 anos, conta que os insultos começaram quando engravidou.
Maria (nome fictício), 55 anos, relatou, por seu turno, que viu o filho ser agredido com cordas de volteio e chicote de cavalos pelo próprio progenitor.
No caso de Amélia, atualmente com 25 anos, a escalada de maus tratos atingiu o auge numa ceia de Natal, tendo decidido fugir de comboio com o seu bebé nos braços.
“Tudo começou durante a gravidez”, recorda Amélia, enumerando que ouvia da voz do seu companheiro que era “um lixo”, que “não valia nada”.
Também Maria ouvia insultos e difamações do pai do seu filho mais novo. Diazia-lhe que não valia nada”, que “era burra” e que “sem ele ela não era ninguém”.
A escalada de violência ia sempre crescendo em casa da Amélia. Nos meses seguintes ao parto, os maus tratos, as agressões verbais, o controlo através do telemóvel, os insultos e a difamação mesmo à frente da família continuavam da parte do companheiro, um homem de 30 anos e engenheiro informático, com trabalho em Angola.
Amélia havia descoberto, inclusivamente, que o atual ex-companheiro lhe tinha clonado o telemóvel e que lhe controlava os seus passos e os telefonemas.
Também em casa de Maria os momentos de agressividade e de medo aumentavam ao ponto de ele exigir ter relações sexuais: Maria, para que "o caldo não entornasse", acedia à violação consentida.
A violência assumiu proporções mais graves, após a pandemia da covid-19, quando o casal abriu uma nova empresa só no nome do companheiro.
“Só podia ir ao cabeleireiro para cortar o cabelo. Nunca podia arranjar as unhas. Ele controlava tudo. Eu não tinha autorização para comprar nada sem ele saber. Desconfiava que eu o roubava, porque sempre teve negócios ruinosos”, recorda.
O momento em que Amélia tomou a decisão de fugir de sair de casa com o seu bebé nos braços foi após a noite da ceia de Natal em que foi agredida verbal e fisicamente à frente da família do companheiro.
Meteu-se num comboio na Estação de Oriente (Lisboa) e viajou até à capital algarvia: Faro. Ali, com a ajuda duma amiga, deslocou-se à PSP para denunciar os maus tratos de que era vítima. As provas estavam marcadas no pescoço, depois de o companheiro a ter tentado asfixiar.
Foi acolhida numa casa de abrigo com a ajuda da Associação de Apoio à Vitima (APAV) para poder viver segura com o filho nos primeiros tempos.
Hoje tem uma casa, emprego e vive longe do agressor.
“Tenho paz. Estou calma, consigo tomar conta do meu filho e de mim. O meu filho está no infantário”, relata, afirmando que está a lutar por uma bolsa de estudos, pois um dia gostava de exercer advocacia em Portugal.
Também Maria percebeu que tinha de fugir no momento em que viu o progenitor obrigar o filho a tratar dos cavalos e gritar quando não fazia as coisas como desejava.
Chegou-lhe a bater nas costas com a corda de voltear os cavalos e numa outra vez viu-o bater no filho com o chicote de domar os cavalos.
“Foi aí que percebi que a cada dia que passava as coisas estavam pior. Foi aí que comecei a ponderar e liguei para a APAV a contar tudo e a pedir auxílio”, lembra.
Começou a prepara-se para a qualquer momento fugir de casa, armazenando os seus pertences.
Foi no mês do Natal de 2023 que saiu para uma casa de emergência arranjada pela APAV no norte de Portugal, quase no lado oposto da morada do pai do filho.
O progenitor tinha um revólver em casa e uma caçadeira e Maria continua a ter medo.
“O meu medo é que ele descubra onde eu moro. Tenho medo que ele me encontre e ao meu filho. Ele é capaz de vir atrás de mim e do meu filho”, diz.
Na casa onde mora, assume que vive em constante alerta e medo, tendo mesmo mandado instalar um sistema de alarme, com uma aplicação no telemóvel com botão de pânico conectado às autoridades policiais.
Maria conta que conseguiu arranjar um novo emprego, mas lamenta a morosidade da justiça para a ouvirem e a ajudarem no processo de violência doméstica, temendo que a justiça a obrigue a ter de deixar o progenitor ver o filho.
Lusa