A infância é uma fase de muitas aprendizagens, mas também de muito sofrimento quando não se recebe dos pais aquilo que se julga merecer.
A ciência afirma que, mesmo quem passou por uma infância dolorosa, poderá encontrar a satisfação pessoal e desenvolver relações de qualidade com os outros.
Uma convivência tóxica acompanhada de maus-tratos e de outras faltas de respeito como: desentendimentos frequentes, ofensas de qualquer espécie, críticas constantes, num mau ambiente e sem um tipo de apego seguro, será certamente muito difícil de suportar e de desfazer na idade adulta, pelo que, idealmente, apesar de não existirem nem pais nem filhos perfeitos, todos os progenitores deveriam empenhar-se para que os filhos se sintam confortáveis na relação, para que haja carinho, respeito, diálogo e, acima de tudo, uma troca sincera de afetos num ambiente honesto.
Para que uma criança se desenvolva de forma sadia, equilibrada, estável e feliz, necessita de crescer num ambiente onde os pais pratiquem um estilo de apego seguro que, em linhas gerais e, segundo John Bowlby psicólogo britânico, deve envolver as necessidades dos mais novos, ao mesmo tempo em que lhes oferece a necessária liberdade para que descubram o mundo, sabendo que podem contar com os pais, que estes os amam e protegem, que não os abandonam, que os respeitam, ouvem e acatam as suas opiniões, emoções positivas e negativas e que podem encontrar nos pais um lugar de compreensão e refúgio.
Com esta base que inclui recursos emocionais positivos, qualquer ser humano estará preparado para enfrentar o mundo de forma significativa, saudável, dando respeito em troca dele e conseguindo estabelecer relações de confiança com os outros, ao mesmo tempo em que beneficia de uma agradável sensação de bem-estar perante a vida.
Segundo o mesmo especialista, nem todas as crianças recebem um estilo de apego seguro e que as “empurre” para a descoberta do mundo, sendo muito comuns estes tipos que deixam marcas profundas e que requerem uma intervenção psicológica e, em muitos casos, psiquiátrica, ao longo do percurso do adulto:
•Apego ansioso ambivalente: os cuidadores são inconsistentes nas respostas às necessidades da criança. Às vezes são afetuosos e outras vezes demonstram frieza ou até hostilidade. Isto gera ansiedade na criança e uma necessidade constante de confirmação emocional, sentindo que o seu valor pessoal está em jogo.
•Apego evitativo: surge quando os pais estão distantes ou demonstram falta de sensibilidade ou interesse pelo filho. O pequeno desconfia deles e, embora isso lhe cause sofrimento, prefere evitar o contacto. Como resultado, desenvolve autossuficiência excessiva.
•Apego desorganizado: os cuidadores adotam comportamentos contraditórios e confusos. Às vezes, esse estilo pode surgir de experiências de violência, abuso ou negligência. A criança apresenta uma combinação de sintomas de apego evitativo e ansioso, expressando rejeição e medo da aproximação dos pais.
É importante esclarecer que os tipos de apego não representam categorias rígidas e determinantes, mas podem mudar ao longo do tempo, sobretudo se a pessoa em causa aceitar passar por um processo de autoconhecimento que implica a compreensão do que lhe aconteceu, a aceitação pessoal e o estabelecimento de regras e limites pessoais que lhe permitam proteger-se, sem que isso implique uma fuga de si mesma, das suas emoções e da sua capacidade de dar e receber amor. O processo não é fácil, mas a ciência garante que é fundamental para o encontro da autoestima e do bem-estar, ao mesmo tempo em que se goza de relações de qualidade com os demais.
Como primeiro recurso para ajudar a que uma criança seja feliz e que cresça de forma saudável, os pais devem ter em conta estes aspetos:
1. Mostrar sensibilidade às suas necessidades
É essencial responder com amor às necessidades da criança desde a infância, oferecendo conforto e apoio em momentos difíceis. Nesse sentido, é crucial encontrar um meio-termo entre estar disponível e permitir a autonomia, evitando ao mesmo tempo os perigos da proteção excessiva. Ensine-a a enfrentar as adversidades, mostrando-lhe que a entende, apoia, mas que pode e deve fazer as suas descobertas, ao mesmo tempo em que deverá cumprir as orientações estabelecidas.
2. Seja consistente e previsível
Estabelecer rotinas claras e coerentes é essencial para proporcionar confiança e estabilidade à criança no dia a dia. A consistência nas nossas ações diárias, desde as refeições até à hora de dormir, reforça essa sensação de segurança e contribui para o desenvolvimento de um apego seguro.
3. Faça com que a criança se sinta amada e valorizada
Os pais devem ser honestos e verdadeiros, conversar abertamente com o filho, explicar-lhe a realidade de forma adequada à sua idade, expressar emoções sinceras e não ter medo de lhe demonstrar amor e carinho. Devem ainda ajudá-la a crescer de uma forma responsável e participativa ouvindo-lhe as opiniões e sugestões, negar-lhe o que não pode ser aceite, mas justificando esse aspeto com a verdade dos factos. O respeito deve ser construído desde a tenra idade para que seja recíproco.
Por fim, anote que, uma relação precisa de tempo para que ganhe expressão, necessita de disponibilidade, entrega verdadeira e muito diálogo, por isso, ofereça brincadeira, apoio, conforto nas mais variadas situações, aposte num estilo de educação positiva em que diz o que é fundamental, mas de forma respeitosa e adequada e, sempre que não conseguir fazê-lo, peça ajuda.
Para quem passou por uma infância dolorosa, é imperioso pedir ajuda psicológica, pois ninguém está condenado ao sofrimento, mesmo sabendo que não escolheu a infância que deveria ter tido e, em qualquer fase de vida, é possível construir a autoestima, a autoconfiança e desfrutar de relações de qualidade porque nos sentimos bem connosco próprios.