Dicas

Crescer num mau ambiente familiar

 
A forma como os nossos pais lidam um com o outro é tão marcante que, por norma, serve de base para quando iniciamos a nossa vida amorosa com alguém.

Se os nossos pais são amigos e vivem uma relação de respeito e compreensão, naturalmente que cultivamos esse modelo, mas quando existem agressões de vários tipos, quando se trata de uma relação disfuncional, erradamente crescemos a acreditar que a vida de casal se processa nesses moldes.
 
Está provado que, uma criança que cresce num mau ambiente familiar é mais propensa a desenvolver problemas psicológicos e a necessitar de apoio na idade adulta, pelo que, idealmente todos deveríamos testemunhar uma convivência saudável entre as nossas maiores figuras de referência.
 
Nascer e crescer num ambiente sem regras, com valores deturpados, com palavrões, agressões físicas e verbais, discussões frequentes, críticas destrutivas, chantagens, ofensas e humilhações, é meio caminho andado para sofrer diariamente e para vincar esse modelo para o futuro, dizem os entendidos nesta matéria.
 
Uma criança que cresce numa família disfuncional acaba por desenvolver muitos rancores, é-lhe fácil desencadear e manter conflitos e acreditar que é assim que se vivem as relações com os outros. Nas relações mais íntimas, é a primeira a duvidar do amor, da paz e do encontro da cumplicidade porque a sua base de vida foi baseada na “guerra”, no ataque, “no bateu-levou” e daí por diante.
 
Nunca é demais lembrar que, nem todos os pais reúnem a maturidade necessária para constituir família e ainda menos para assumir a parentalidade que é uma tarefa muito exigente. Ao também não conseguirem forças para se separarem, acabam por arrastar e acentuar o problema, pois como não gostam um do outro e não têm capacidade para resolver os problemas, instalam um clima de guerra, sendo que, os filhos são sempre os principais alvos a abater e aqueles que são usados para que o casal se agrida cada vez mais.
 
Pelo contrário, os pais que se amam, que se entendem e respeitam são o melhor modelo de referência na vida de um filho e, naturalmente que seria desejável que todas as crianças pudessem contactar com essa realidade, mas isso requer muita maturidade, amor, compreensão e, acima de tudo, muito respeito por si mesmo, pelo outro e pelos filhos.
 
É evidente que todos os casais passam por momentos menos bons, que é raro o filho que não assiste a uma crise entre os pais, mas a riqueza maior é conseguir encontrar a paz, o amor e a estabilidade dentro de casa; dentro do seio da sua família originária, já que isso é fundamental para um desenvolvimento equilibrado e sadio.
 
Na sua teoria da segurança emocional, John Bowlby reforça a importância de uma criança crescer num ambiente seguro, com pais que se amam e respeitam, na medida em que, «os conflitos familiares afetam o desenvolvimento psicoemocional dos mais novos». Os pequenos, longe de ficarem alheios a essas divergências, são testemunhas delas para avaliá-las e criar alguns esquemas mentais básicos sobre as relações humanas, completa o mesmo especialista.
 
Outro aspecto não menos problemático, é o facto de os filhos de um casal conflituoso sentirem-se menos seguros, protegidos e cuidados. Segundo John Bowlby, estas crianças crescem com um sentimento de ameaça constante pensando que, a qualquer momento, essas manifestações emocionais negativas também os atingirão. Algo que, como bem sabemos, por vezes acontece.
 
É frequente, por exemplo, que aquela mãe ou aquele pai “em pé de guerra”, use os filhos como vítimas para chantagens emocionais.  É recorrente que, o pai ou a mãe chamem a si o filho para o fazerem de “joguete” para levar e trazer informação. Não menos raro, muitos pais falam mal um do outro e deixam a criança confusa e sem saber muito bem o que pensar e em quem confiar, já para não evidenciar os valores “estranhos” que se transmitem aos mais novos com essa postura.
 
Efetivamente, os pais que não se entendem, acabam por arrastar os filhos para esse palco de conflitos e por lhes dar uma imagem negativa e destrutiva do que são as relações humanas, o amor, a compreensão e o respeito.
 
Segundo os especialistas, com este ambiente familiar, estas crianças tendem a ser agressivas, a desenvolver fracas habilidades sociais e a desencadearem muitos conflitos, seja entre colegas, com outros adultos, nas atividades em que participam, para além de manifestarem mau comportamento e maus valores devido às referências obtidas no lar. Estes meninos e meninas apresentam uma fraca gestão emocional e dificuldades em controlarem os impulsos.
 
Lembram os entendidos que, pais que conseguem resolver os seus conflitos, explicar aos filhos o que se passou e assumir uma postura madura e responsável, estão a fornecer um bom exemplo de como se ultrapassam as divergências e se encontra o bem-estar e o equilíbrio. É essencial reforçar este ponto porque não há casal que não viva problemas e é importante que os mais novos convivam com isso e que observem a forma como os pais os superam. Não podemos iludir os nossos filhos com a ideia de que é tudo perfeito e que as pessoas não discutem, mas sim encontrar formas mais evoluídas e respeitosas de discutir os diferentes pontos de vista e encontrar acordos, explicam os entendidos.
 
«O problema reside nos conflitos interparentais destrutivos nos quais estão embutidos o ressentimento, o ódio e os palavrões, isto porque esse tipo de situação deixa sérias consequências no desenvolvimento infantil».
 
A forma negativa e destrutiva com que muitas crianças enfrentam e tentam resolver os problemas, mostra o modelo que receberam em casa e as estratégias que os pais utilizam para superar as diferenças e para resolverem os seus conflitos. Não é por acaso que há miúdos com pouco controlo emocional, agressivos e com pouca tolerância à frustração e à diferença.
 
Na mesma sequência, os especialistas também chamam a atenção para o facto de algumas crianças desenvolverem uma maturidade acima da média para conseguirem mediar as discussões entre os pais, há outras que se inibem muito por medo e por vergonha e outras que se tornam fortes e corajosas para compensarem uma mãe ou um pai  mais passivo e sem capacidade de reação. De qualquer modo, as crianças deveriam ser poupadas desta exigência e sim, terem tempo para descobrirem outras formas mais agradáveis de superação das dificuldades, alertam os entendidos.
 
Por estarem numa posição de inferioridade e, por em muitos casos, serem o pretexto para que um casamento se mantenha, muitos filhos acabam por ter de construir muitas defesas emocionais para se conseguirem proteger das agressões dos pais, têm de aprender a mentir, a manipular e a usar outras formas de proteção para conseguirem sobreviver num ambiente hostil e destrutivo, clarificam os mesmos especialistas.
 
A teoria da segurança emocional  diz-nos que «as crianças forçadas a amadurecer de forma precipitada também crescem sem um apego saudável e essencial ao seu desenvolvimento». É comum que cheguem à idade adulta com muitas deficiências e sofrimento associado, sobretudo pela perda das experiências da infância e das aprendizagens e brincadeiras próprias para a sua idade», sublinha John Bowlby, evidenciando que, muitos pais negligenciam também a atenção e o cuidado para com os filhos em virtude de estarem muito focados nas suas discussões e problemas conjugais.
 
Por outro lado, também existem crianças que, em vez de atuarem como mediadoras, se afastam dessa interação por medo, por ansiedade e pela frustração de nada conseguirem fazer para  ajudar os pais em conflito.  Mais tarde, é natural que sofram de problemas de humor, depressão, fobias ou pânico e que apresentem problemas de adaptação às mais variadas situações de vida.
 
Por fim, é de registar que, nenhum casal deve permanecer em conjunto quando não se ama, não se entende e não se respeita. Uma criança que cresce num ambiente conflituoso constrói uma ponte para a infelicidade e um modelo destrutivo para o seu futuro. Pelo contrário, alguém que se desenvolve num ambiente estimulante, com paz, amor, compreensão e respeito, abre portas para descobrir o mundo e para se conhecer cada vez mais e melhor. Perante estas constatações, vale a pena pensar duas vezes antes de alimentar um casamento tóxico.
 
Depois, é fundamental referir que, quem cresceu nesse mau ambiente terá um longo percurso de superação pela frente e que precisa de construir uma autoestima saudável e uma linha de orientação distinta daquela que recebeu na infância. Para tal, o apoio psicológico torna-se essencial, mas acima de tudo, é crucial que esta pessoa acredite que é possível encontrar um caminho alternativo e que o construa, ao seu ritmo, mas da melhor forma possível.