Há feridas que são visíveis, mas que marcam profundamente aquilo que somos, o que fazemos e, sobretudo o que sentimos, acabando por direcionar as nossas escolhas e por limitar aquilo que nascemos para ser.
As feridas emocionais são as marcas das experiências negativas que vivemos na infância e que acabam por determinar a nossa vida adulta e as escolhas que fazemos, bem como as oportunidades que criamos.
De acordo com a ciência do comportamento humano, uma das feridas emocionais mais profundas é a da rejeição, porque quem sofre com ela sente-se rejeitado internamente, interpretando tudo o que acontece ao seu redor através do filtro da sua ferida, sentindo-se rejeitado em situações em que, na verdade, não é.
Segundo um artigo da revista: “A Mente é Maravilhosa”, rejeitar significa resistir, desprezar ou recusar, o que podemos traduzir em “não amar” algo ou alguém. Essa ferida nasce da rejeição dos pais para com os filhos, mas também da perceção dos filhos de que os pais os rejeitam, mesmo que isso ultrapasse a vontade dos progenitores que acabam por demonstrar esse desprezo de forma inconsciente.
Perante a rejeição, a pessoa desenvolve uma máscara para proteger-se de um sentimento que não consegue suportar de outra forma. Sente-se desvalorizada, acabando por desenvolver uma personalidade tímida.
Segundo a investigação realizada por Lise Bourbeau, a primeira reação da pessoa que se sente rejeitada será fugir e construir um mundo imaginário capaz de lhe permitir aguentar a dor.
A cientista realça também que, as crianças que são criadas num ambiente de superproteção também se sentem rejeitadas devido à grande ausência de amor, de compreensão e de empatia por parte dos pais que se concentram muito mais no cumprimento daquilo que esperam dos filhos e do que “as outras pessoas em sociedade possam pensar” do que realmente no que os filhos pensam ou sentem nesse ambiente rígido e autoritário.
Uma criança que é excessivamente protegida entende que a falta de amor dos pais é compensada pela proteção e que tal acontece porque ela não é capaz de proteger-se sozinha, sente- se desvalorizada, que não merece o amor dos pais e que estes não a aceitam tal como é.
Como consequências, a rejeição parental leva a que a criança e, mais tarde, o adulto, ande sempre à procura de atenção e de reconhecimento, que seja pouco autoconfiante, já que duvida das suas capacidades, que se sinta incompreendida e que a própria sociedade a rejeita. Essa ferida determina uma boa parte do que é e do que pretende vir a ser, sublinha a especialista.
Por estar sempre prisioneira da aprovação dos outros e pela constante procura pela perfeição, a pessoa rejeitada pelos pais é uma eterna insatisfeita, porque raras vezes os outros lhe dão o valor que gostaria de receber.
De acordo com Lisa Bourbeau, a ferida é causada especialmente pelo progenitor do mesmo sexo e, diante disso, a busca de amor e reconhecimento será mais intensa, sendo muito sensível a qualquer comentário que proceda dele. Também a sua forma de pensar é muito específica sendo comum que se sinta sem valor, uma pessoa praticamente inexistente e que “não serve para nada”. Sem se dar conta, perante qualquer situação mais difícil de vida ou quando se sente mais fragilizada, esta pessoa pensa que é tudo por sua culpa e volta a apelar à aprovação dos demais para que possa prosseguir, mas a ferida permanece e, mais cedo ou mais tarde, vai voltar iniciando o ciclo de sofrimento e de medo, completa.
Em termos sociais, estas pessoas tentam passar despercebidas e, nos contactos mais próximos, dão-se pouco porque sentem medo de envolver-se e de voltarem a ser rejeitadas. Duvidam do amor dos demais e até da sua própria capacidade de amar.
Com o passar do tempo, a pessoa que sofre desta ferida e que não a cura pode tornar-se rancorosa e passar a sentir muito ódio, fruto do intenso sofrimento que guarda dentro de si. Se a apreciam, duvida, se não a valorizam, sofre com a falta de reconhecimento e, “todos os caminhos vão sempre parar à sua culpa e à desvalorização que sente”. Tende a rejeitar os outros porque é assim que se sente, pelo que, as suas relações podem ser muito conflituosas e marcadas por emoções contraditórias, por muitos apelos emocionais, revolta, insatisfação, incompreensão, vergonha e sofrimento.
Para curar esta ferida da rejeição, a pessoa tem de começar a olhar para si mesma, entender o seu passado, aceitá-lo, admitir que é a sua história, mas que pode construir algo novo a partir do que já viveu. Deve desenvolver uma autoestima satisfatória que lhe permita participar nas situações, aprender com os outros e também transmitir o que sabe. Assumir o seu real valor enquanto ser humano, enquanto alguém que sofreu com uma infância dolorosa, mas que pode modificar o seu presente e construir um futuro diferente e melhor, mas tudo isso passa por perdoar-se, por reconhecer que foi produto de uma educação errática, mas que não quer continuar a maltratar-se. Em vez de ficar sozinha ou de fugir, deve procurar pessoas que a respeitem, valorizem e aceitem tal como é e devolver esses valores também. Aos poucos, irá nascer uma nova pessoa com mais capacidade para enfrentar a vida, assumir os seus erros, corrigi-los e aprender em vez de negar as relações com os outros.
É verdade que não podemos apagar o nosso passado, mas podemos interpretá-lo, assumi-lo e admitir que podemos mudar o rumo da nossa história com outras experiências gratificantes e conhecer pessoas distintas daquelas com quem já nos envolvemos. Admitir a fragilidade é aceitar que ninguém sabe tudo, muito menos consegue passar pelo mundo sem traumas, por isso, o que nos diferencia é a forma como pensamos e, a partir daí, o modo como reagimos e nos comportamos.
Uma psicoterapia pode sempre ser um alicerce importante para apoiar no processo e, já agora, aliviamos a nossa dor quando recordamos as situações negativas, conseguimos falar sobre elas e as mesmas já não nos causam desconforto.