A traição é uma das principais e mais angustiantes fontes de sofrimento do ser humano.
A primeira grande forma de traição que muitas pessoas experimentam ocorre na infância através dos seus pais ou outras referências, o que constitui uma marca para a vida que tem de ser tratada. No entanto, há quem passe por episódios desagrdáveis de traição com amigos, namorados, familiares ou outros, o que também resulta em muita dor.
Independentemente do nosso passado, há quem confie com relativa facilidade e até seja capaz de falar da sua intimidade com um estranho e ao fim de pouco contacto, mas também existe quem precise de muito tempo e de provas concretas para conseguir estabelecer um vínculo mais seguro e, também são muitas as pessoas que, mesmo com o passar dos anos, não conseguem confiar em ninguém.
Depois de uma traição, ainda se justifica mais a reflexão e a necessidade de ponderar muito bem em quem dedicar sentimentos genuínos e verdadeiros, o que não é, por si só, uma tarefa fácil porque requer a cura das feridas anteriores, no entanto, segundo os psicólogos, «é possível» restabelecer-nos e voltar a confiar, mas o processo pode demorar algum tempo e requer uma intervenção especializada».
Nas consultas de terapia, são cada vez mais as pessoas que relatam não conseguir confiar e sentir dificuldades em estabelecer laços afetivos devido às deceções acumuladas, mas «a maioria dos pacientes confessa que se sente sozinha e com um enorme vazio emocional devido precisamente à opção do isolamento social e de praticamente não terem amigos», explicam os especialistas.
É importante admitir que, vivemos numa sociedade hiperconectada, em que se torna fácil conhecer pessoas, seja à distância ou presencialmente, integrar um grupo, mas na realidade, a confiança parece não ser uma tónica defendida por muitas pessoas: umas porque sofreram muito e temem voltar a confiar, outras porque simplesmente não dão importância a esse valor e não o preservam nas suas relações. «No fundo, é como se tivéssemos muita gente em nosso redor, mas não pudéssemos entregar-nos e colher relações verdadeiras», completam.
Depois de um episódio doloroso, efetivamente é muito difícil voltar a confiar e, desconfiamos das coisas mais simples como o estado do nosso carro e se existe risco de acidente, não acreditamos facilmente num profissional de uma determinada área porque alguém já passou por uma burla, duvidamos de um vendedor, da qualidade de um serviço e, naturalmente que, esse conjunto de desconfianças se arrasta e estende a todas as relações que estabelecemos, mas «o ser humano precisa de descontrair, de tentar, de corrigir, de melhorar-se e, para isso, temos de arriscar nem que seja um pouco de si», recomendam os terapeutas, rematando que «a própria vida é um risco que aceitamos enfrentar diariamente».
«O grande gerador da desconfiança é o medo, pelo que, quem navega sob o peso das deceções, das mágoas do passado e da preocupação de ser novamente traído não abriga apenas tristezas e frustrações. Abriga também o peso do medo no coração. E algo assim atrapalha a vida e a torna menos agradável, menos satisfatória», alertam os mesmos entendidos.
Como forma de nos protegermos desses medos, passamos a colocar rótulos em quase tudo e a dar-lhes significados negativos e, quando essa dimensão se torna exagerada, podemos dizer que sofremos de pistantrofobia que é o medo irracional de estabelecer relações íntimas com os demais.
Segundo os especialistas, o que se esconde por detrás desta fobia e que é preciso tratar, são os traumas do passado, as más experiências vividas na infância, o abandono dos pais, o pouco ou nenhum afeto que recebemos, a falta de compreensão, de apoio nos momentos mais difíceis, o namorado que nos deixou sem dar uma explicação, a troca por outra pessoa, a ilusão que criamos em torno de uma amizade que julgamos ser para a vida, a ideia de que a mãe era de confiança, mas que andou a falar mal de nós a outros familiares, o pai que nos agrediu sem que percebêssemos porque nos traiu o amor e a ilusão de que seríamos aceites e amados, a falta de respeito de um irmão, de um marido e daí por diante. Todo este conjunto de dores que acumulamos ao longo do nosso percurso, dá lugar a uma incapacidade de voltar a confiar para evitar passar pelo mesmo.
Para ultrapassar um trauma, é fundamental que a pessoa olhe para dentro de si e que admita o que se esconde atrás dessa desconfiança, que procure entender o que se passou e como poderia evitar sofrer pelo mesmo motivo mudando algo em si que não seja isolar-se e fechar-se para as relações. O processo tem de ser gradual e, em muitos casos, requer ajuda especializada para que ocorra uma cura duradoura e eficaz, mas importa salientar que, tal mudança não traduz que entremos numa qualquer relação e que não vamos ser traídos, mas sim que reunimos mais ferramentas para selecionar melhor com quem convivemos, que nos tornamos mais exigentes com os outros, que também nos tornamos mais maduros e capazes de analisar melhor quem temos ao nosso lado, mas «isso requer um tempo para nos conhecermos melhor, para nos darmos aos poucos e para avaliarmos muito bem se a pessoa merece a nossa confiança. Também não temos de falar muito de nós, nem da nossa intimidade sem que tenhamos alguma base de confiança e provas de reciprocidade do outro», alertam.
Não nos podemos esquecer de que, «quanto mais íntimo for o laço criado, mais intenso é o sofrimento: uma amizade, um relacionamento amoroso ou uma relação com um membro da família, pelo que, devemos proteger-nos, manter uma boa margem de distância até que consigamos confiar e dar mais um pouco de nós», completam.
Também é fundamental assumirmos que, «nem todas as pessoas gostam de nós, valorizam o que somos e temos e correspondem ao que gostaríamos. Partir dessa base permite que aceitemos melhor que não nos podemos entregar livre e descontraidamente a qualquer pessoa, mas que devemos estudá-la e perceber se está a corresponder ao que também lhe damos», registam alertando que, «há pessoas para quem a traição faz parte do seu conceito de relação, pelo que não podemos esperar que nos sejam fiéis; elas são assim e temos de respeitar, protegendo-nos».
É ainda de anotar que, por termos passado por uma má experiência, isso não quer dizer que “estejamos condenados” a só viver relações fracassadas, mas também que por termos sido traídos uma vez que tenhamos de ser sempre ou que jamais voltaremos a ser traídos porque já fomos uma vez na vida. Nada nos é garantido, pelo que temos mesmo de ser racionais, maduros, inteligentes, responsáveis e de mente aberta para que possamos dar e receber em equilíbrio e selecionar as melhores pessoas para conviver.
Por fim, não se esqueça de cuidar da sua autoestima, de valorizar-se, de gostar do que é e do que tem e de admitir que a felicidade reside dentro de si e que não vai entrar numa relação à espera que a outra pessoa o faça feliz. Admita que, as relações acrescentam-nos, não nos dão aquilo que temos de ser nós a desenvolver no nosso interior e com o nosso “eu”. Desta forma, estará logo mais liberto e com expectativas moderadas para conseguir estabelecer vínculos com os outros.
Depois, é essencial que saiba o que espera da outra pessoa, tendo também em conta a sua capacidade de dar. Não exija mais de si, nem do outro e não permita que a ilusão o domine. Tente ser realista, ver, aceitar e respeitar o outro tal como é, ao mesmo tempo em que faz o mesmo consigo, pois só assim estará em pé de igualdade numa qualquer relação.
Admita que não é perfeito e que ninguém o é. Quem o traiu não tinha os seus valores e não estava na relação com o mesmo propósito, mas isso não quer dizer que todas as pessoas o queiram trair ou enganar. Ao dar-se aos poucos e com tempo, conseguirá ver muito melhor a outra pessoa, ouvi-la, saber o que sente e o que pensa, o que reduz as possibilidades de dececionar-se. Ser realista também facilita a tarefa porque reduz a ilusão: não esperamos que o outro faça aquilo que não tem capacidade ou que dê o que não tem.
O tempo é a chave de todo o processo, por isso, siga ao seu ritmo e em função daquilo que sente e acredita.