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Como é que os pedófilos silenciam as suas vítimas?

O agressor costuma dizer que ama a vítima e que se ela contar o que se passa, vai perder todo esse amor e suposto carinho.
O agressor costuma dizer que ama a vítima e que se ela contar o que se passa, vai perder todo esse amor e suposto carinho.  
Foto: Freepik
Abusar de uma criança é um ato abominável que conduz a problemas físicos e emocionais que se prolongam pela vida fora.

Para além do sofrimento vivido durante os abusos, as vítimas têm de confrontar-se com a sua própria culpa e com a pressão dos agressores, motivos que as levam a silenciar o que viveram e, de certa forma, “a proteger” quem cometeu tais atos.
 
Segundo os entendidos nesta matéria, a principal arma que os pedófilos usam para manter os abusos é através do silêncio das crianças.  Para isso, recorrem à força e a métodos muito vis, como o suborno e a intimidação.
 
«É aqui que começa o abuso e a mente da criança passa a ser sacudida pelas ondas tóxicas do trauma que eventualmente e potencialmente vão roubar-lhe a inocência», explicam os especialistas.
 
As consequências do abuso infantil podem ser muito diferentes, contudo, existem padrões comuns que têm alicerçado os trabalhos de investigação e o apoio às vítimas. A raiva e a tristeza são os principais sentimentos que marcam a vida de uma criança vítima de abuso sexual, ao mesmo tempo em que o seu olhar passa a apresentar sinais de um abandono prematuro da infância, bem como a sua autoconfiança que fica abalada, tal como a inocência e a alegria típicas desta faixa etária.
 
Um forte abalo na autoestima é outro aspeto crucial a registar numa criança que é vítima de abuso sexual, sem esquecer a culpa que passa a carregar desde muito cedo por considerar que deveria ter-se protegido daquela pessoa e que não conseguiu. Em muitos casos, as vítimas também se culpabilizam por considerarem que tiveram algum comportamento menos correto e que o mesmo as conduziu ao abuso, daí esse enorme sentimento de culpa e, acima de tudo, muita vergonha de si mesmas e de estarem a passar por essa situação.
 
Aproveitando-se desse mal-estar generalizado, os agressores têm as suas vítimas em silêncio e cada vez com menos capacidade de reação, completam os especialistas.
 
É de tal forma o impacto negativo da experiência que a criança bloqueia a memória sentindo, muitas vezes, dificuldades em recuperar o que lhe aconteceu. Esse facto dá lugar a problemas de concentração e uma diminuição no desempenho escolar, o que pode e deve ser um ponto de alerta para os pais e cuidadores da criança.
 
Além disso, várias investigações demonstraram que tanto o abuso sexual como as  suas consequências podem ser hereditárias. Se uma criança aprende que “é normal” ser abusada (porque vive habitualmente esse cenário), provavelmente desenvolverá um estilo de apego inseguro e, consequentemente irá apresentar comportamentos desajustados para a sua idade
 
Ao mesmo tempo, é comum que a criança perca a confiança nos adultos e que, por essa razão, lhe seja complexa a tarefa de falar acerca do que lhe está a acontecer, pois entende os mais velhos como pessoas perigosas, o que também lhes retira a esperança e a coragem. Se o agressor for alguém conhecido da criança, um familiar ou um amigo, ainda se agrava mais esta perda de confiança e de esperança, relatam os especialistas.
 
Por outro lado, é comum que o agressor tente manter o menino ou a menina em silêncio. Para lhe calar a voz, os perpetradores usam ameaças e mentiras, além de serem violentos. Ao silenciar as crianças, o pedófilo retira-lhes a capacidade de pedir ajuda enquanto que as priva de viverem outras experiências na necessária liberdade e autonomia. Também acontece com alguma regularidade que, o pedófilo seja um manipulador experiente e que consiga seduzir a vítima de forma a silenciá-la como melhor lhe convém, de tal maneira que a criança o protege com todas as suas forças.
 
De um modo geral, as crianças vítimas de abuso sexual sentem uma enorme dificuldade em confiar nos adultos e em contar-lhes o que lhes aconteceu, mesmo quando há sinais e os pais ou demais cuidadores se apercebem de que algo não está bem, daí ser necessário uma compreensão e apoio especiais, evidenciam os entendidos.
 
Ao mesmo tempo, é de reter que, a criança tem medo de falar, sente muita vergonha do que lhe aconteceu e, acima de tudo, quer esquecer o que se passou, por isso, não fala, não expressa emoções de qualquer espécie, como se estivesse completamente fechada com uma porta sem chaves, mas sofre muito nesse silêncio, explicam os entendidos, acrescentando que, em muitos casos, para se protegerem, as crianças tiveram de normalizar o abuso e aceitá-lo como parte da sua vida, o que também as conduz ao silêncio.
 
Na mesma sequência, é comum que o agressor lhes apresente ameaças para as levar ao silêncio. Dizer que matam o pai ou a mãe, que batem no irmão, são alguns exemplos comuns que assustam a criança e que a levam a “selar os lábios”.
 
A criança também sente que, se contar o que se passou a um adulto que este lhe irá dizer que a culpa é sua, que se deveria ter protegido, que deveria ter fugido e que foi má e fraca ao ter deixado que tal lhe sucedesse. Ao mesmo tempo, é frequente que as crianças sintam que os pais ou demais adultos vão considerar que é mentira o que estão a relatar, pelo que não vale a pena sequer pensar em contar-lhes o episódio de abuso.
 
O agressor costuma dizer que ama a vítima e que se ela contar o que se passa, vai perder todo esse amor e suposto carinho. A criança fica com medo de perder essa atenção sobretudo porque não entende o quanto a mesma a prejudica e, faz a vontade ao pedófilo: não conta nada do que se está a passar.
 
Como perderam a esperança que alguém as possa retirar desse cenário, as vítimas suportam-se de pensamentos negativos como: “há certamente outras crianças nas mesmas circunstâncias e ninguém as ajudou, por isso, não vale a pena estar a passar pela dor de contar a alguém”.
 
Também há crianças que consideram a sua mudança de comportamento tão óbvia que acreditam que os pais vão perceber e retirá-las daquele sofrimento, o que nem sempre acontece como bem sabemos, completam os mesmos especialistas, confirmando o sentimento de desesperança que estas crianças vivem e a dimensão do trauma, pois até acreditaram que poderiam ser “salvas” e tal não ocorreu.
 
Por fim, é de anotar que, para além dos muitos danos psicológicos associados ao abuso sexual, também existem prejuízos físicos como é o caso das doenças sexualmente transmissíveis e que todos os pais e cuidadores devem estar atentos.
 
Depois, já se percebeu que existe muita dificuldade em obter as declarações da criança, sobretudo durante a infância, por isso, nunca é demais que os pais e outros adultos estejam atentos aos comportamentos dos mais novos, que tentem averiguar se existe alguma relação “estranha” com algum adulto, se a criança apresenta alterações comportamentais e daí por diante.
 
Quando os pais não conseguem  criar esse espaço de diálogo para que a criança desabafe, é fundamental encaminhá-la para o apoio psicológico e, em todos os momentos, prestar-lhe todo o apoio necessário, concluem os entendidos nesta matéria.
 
Fátima Fernandes