Os administradores hospitalares manifestaram hoje preocupação com a crescente recusa dos médicos em fazer mais do que as 150 horas extraordinárias obrigatórias por lei, alertando que é “um caminho perigoso” que pode repercutir-se na saúde das pessoas.
No início de setembro, um grupo de profissionais enviou ao ministro da Saúde uma carta aberta com mais de 1.000 assinaturas de médicos a avisar da sua indisponibilidade para fazerem mais horas extra a partir de 12 de setembro.
Desde então, segundo o movimento Médicos em Luta, que entretanto se constituiu, a indisponibilidade dos médicos provocou “problemas na elaboração da escala do serviço de urgência” em pelo menos 21 hospitais, incluindo Viana do Castelo, Garcia da Orta, Bragança, Barreiro, Guarda, Viseu, Santarém, Braga, Matosinhos, Leiria, Aveiro, Caldas e Torres Vedras, Portimão e o Hospital Santa Maria.
Em declarações hoje à agência Lusa, o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), Xavier Barreto, afirmou que estas recusas se tornaram “um problema essencialmente nos serviços de urgência, porque é a atividade que depende mais de horas extraordinárias”.
“O que se perspetiva é que provavelmente alguns hospitais terão dificuldade em garantir o funcionamento do seu serviço de urgência, com todas as consequências que isso poderá ter para a saúde das populações”, afirmou Xavier Barreto, reconhecendo que a situação preocupa as administrações dos hospitais, que estão a tentar resolver o problema “com as ferramentas que têm ao seu dispor”.
Explicou que os administradores estão a tentar que os médicos que ainda têm horas extra para fazer ou não tenham apresentado a declaração de indisponibilidade assegurem o serviço ou então tentam recrutar prestadores de serviços para suprir esses turnos, mas disse não ser garantido que “esse suporte seja o suficiente para garantir o funcionamento das urgências”.
“Portanto, existe uma possibilidade real de termos dificuldades para assegurar alguns serviços de urgência”, vincou, adiantando que a situação está a passar-se um pouco por todo o país, apesar de ter começado na região Norte, onde tem tido “grande adesão” por parte dos médicos em alguns hospitais.
Xavier Barreto disse que o facto de o Médicos em Luta ser “um movimento inorgânico, promovido por um conjunto de médicos que não parece depender de um sindicato em concreto”, torna “ainda mais difícil o diálogo” para que a situação se resolva, após as negociações entre os sindicatos médicos e a tutela não terem chegado a bom porto.
No seu entender, estar a utilizar o risco de encerramento de urgências para tentar “impor uma solução para as negociações das grelhas salariais e da organização do trabalho médico” com a tutela não é adequado.
“Eu diria que, eventualmente, faria mais sentido que optassem por outra estratégia”, porque “colocar em risco as populações, ameaçando o encerramento dos serviços de urgência, com tudo o que isso pode significar para as pessoas, não me parece que seja uma estratégia aceitável no âmbito de uma negociação com a tutela”, defendeu.
O presidente da APAH sustentou que os médicos têm outras ferramentas ao seu alcance, nomeadamente, o direito à greve, à qual podem sempre recorrer num processo de negocial.
“Numa visão de curto prazo, o que nós gostaríamos é que as pessoas tivessem bom senso, percebessem aquilo que está em causa, o direito à saúde por parte das populações e que, no fundo, não optassem por esse caminho, que é um caminho perigoso que pode de facto repercutir-se na saúde das pessoas”.
Já a médio e longo prazo, defendeu, “o que faria sentido era que as urgências fossem estruturadas, organizadas em função de equipas dedicadas”, com várias especialidades, em que a pessoa presta serviço de urgência em horário normal, com um regime de incentivos próprios, como tem vindo a ser defendido por diretores de serviços da urgência de vários hospitais e pelos administradores hospitalares.
“Em boa verdade, o funcionamento da urgência foi sempre centrado numa fórmula muito frágil que é de termos profissionais ou em horas extra ou em prestação de serviços. Isto é muito frágil como estamos a ver”, lamentou.
Lusa