São muitas as pessoas que carregam feridas emocionais desde a infância e que não sabem como libertar-se.
É sabido que os pais não sabem tudo e que nem sempre conseguem fornecer as melhores palavras e exemplos na educação dos filhos. Como consequência, temos muitos adultos infelizes, com comportamentos desajustados e muito difíceis de conviver quando o essencial seria que “fossem ao fundo dessas memórias, que as assumissem e que procurassem libertar-se desse desconforto e dor”, sublinham os especialistas na área da psicologia.
Nunca é demais lembrar que, a forma como fomos tratados pelos nossos pais, principais figuras de referência para uma criança, determina em grande parte aquilo que vamos ser ao longo da vida, por isso, só quando sinalizamos aquilo que correu menos bem, é que seremos capazes de ultrapassar muitos hábitos e sofrimento, completam os mesmos entendidos.
Quando temos algum problema ou quando algo não nos corre como gostaríamos, tendemos a imitar o modelo dos nossos pais e a fazer aos outros aquilo que também nos fizeram, daí ser tão importante tomar consciência dos erros para evitá-los, para conseguirmos viver relações saudáveis e, sobretudo para que possamos encontrar o amor e uma relação positiva.
Quando não assumimos o que nos aconteceu, tendemos a “vingar-nos” de tudo e de todos, sendo que a pessoa que está ao nosso lado é sempre o alvo principal por ser quem passa mais tempo connosco, por estar mais disponível e quem nos faz lembrar que as nossas emoções estão afetadas negativamente.
É na intimidade que, muitas vezes, soltamos essa dor e acabamos por reproduzir todo esse mal estar naquela pessoa que deveríamos amar, mas que não conseguimos devido a esses bloqueios emocionais herdados da mais tenra idade, explicam os psicólogos.
O medo de reviver o sofrimento que nos causaram faz com que evitemos essas situações, mas isso só vai dificultar o nosso desenvolvimento e prejudicar-nos. É como se no mais íntimo de nós sentíssemos que a pessoa que diz amar-nos nos quer trair, tratar mal, agredir, gozar, humilhar ou abandonar, ser injusta connosco e rejeitar-nos logo, só queremos sair dali e ficar sozinhos. Mas depois, queremos companhia, afeto e compreensão e não sabemos a quem recorrer. É por tudo isso que é importante aceitar, interpretar e assumir que se pode ter passado por isto:
1. Medo do abandono
O desamparo é o pior inimigo de quem viveu o abandono na infância.
Quando uma criança se sente sozinha, abandonada, desprotegida e isolada, acaba por ter de criar defesas emocionais para que possa proteger-se. Ao fazê-lo, acaba por desenvolver um conjunto de mecanismos e pensamentos que a afastam das emoções e dos outros, especialmente em tudo o que envolve a intimidade. Quando chega à idade adulta, esta pessoa vai sentir muitas dificuldades em dar e receber amor, compreensão e em expressar-se e mostrar-se tal como é porque quer evitar passar pelo mesmo que viveu na infância com as pessoas que mais a deveriam ter amado e cuidado.
Esta ferida não é fácil de curar, mas um bom começo para cicatrizá-la é confrontar o temor de ficar sozinho até que flua um diálogo interior positivo e esperançoso, explicam os psicólogos recomendando o apoio de um técnico que lhe dará o melhor acolhimento e compreensão.
2. Medo da rejeição
Ao carregarmos este medo, evitamos sentir, mostrar-nos tal como somos e aceitar-nos com forças e fraquezas, com vivências positivas e negativas. Quando os nossos pais nos rejeitaram na mais tenra idade, tendemos a evitar o contacto muito próximo e íntimo com outras pessoas para que não passemos pelo mesmo, assim, criamos quase como que uma “armadura” em torno dos nossos sentimentos para que quase que à força nos afastemos dos demais em termos afetivos. Esta condição afeta-nos a autoestima, a autoconfiança e perturba grandemente a relação com as outras pessoas.
Gera pensamentos de rejeição, de não ser desejado e de desqualificação connosco próprios, acrescentam os especialistas na área da psicologia.
O adulto que foi uma criança rejeitada tende a ser uma pessoa arredia. Por essa razão, devem ser tratados os medos internos que geram situações de pânico. A pessoa deve ser orientada para a aceitação pessoal, para o desenvolvimento de uma boa autoestima e autoconfiança, para a capacidade de se autovalorizar para que depois, com mais amor-próprio, consiga dar-se mais aos outros e amar alguém, explicam os psicólogos.
3. Humilhação
Pais que criticam os filhos, que os desaprovam, que os comparam com outras crianças ou jovens, acabam por produzir este tipo de sentimentos. A criança sente-se humilhada, sem valor, sem qualquer importância para os pais e demais familiares e acaba por sentir que a sociedade lhe pode fazer o mesmo, pelo que desconfia de tudo e de todos.
Muitos pais chamam nomes aos filhos como: chato, mau, feio, rebelde, traquinas, burro, desajeitado, preguiçoso, desarrumado, porco e daí por diante e fazem com que os filhos nem gostem de si mesmos, nem gostem dos progenitores. Em muitos casos, também criticam os filhos na presença de outras pessoas e, quando algo acontece, os mais novos é que são sempre os culpados. Um vizinho chama a atenção e os pais nunca defendem o filho, tal como ocorre uma briga entre crianças em que as culpas recaem sempre sobre o seu descendente. Tudo isto deixa marcas muito profundas e dá lugar a adultos tristes e com muitos problemas de vária ordem, alertam os psicólogos, completando que estes adultos tendem a ser dependentes dos demais e que possuem uma fraca autoestima e autoconfiança.
Estas pessoas tendem a humilhar os outros, mesmo aqueles que lhes são mais próximos, como forma de descompressão da muita dor que carregam. Tendem igualmente a ser pessoas egoístas, pouco empáticas, incapazes de incluir os outros e com muita dificuldade em respeitarem-nos. Podem ser agressivas, pouco flexíveis ou tolerantes.
Uma pessoa que passou por este tipo de experiências terá de fazer um processo interior onde encontre o seu real valor, as suas necessidades e prioridades e, acima de tudo, o respeito por si mesmo e o amor-próprio, pois só assim irá libertar-se e lidar melhor com as outras pessoas.
4. Medo de confiar/traição
Pais que não cumprem as suas promessas, fazem com que a criança se sinta traída e enganada, o que abre uma ferida emocional que tende a prolongar-se pela vida fora.
Como consequência, gera-se uma desconfiança que pode ser transformada em inveja e em outros sentimentos negativos, por não se sentir merecedora do prometido e do que os demais têm.
Sofrer esses problemas na infância constrói personalidades controladoras e perfeccionistas. São pessoas que querem ter tudo pronto e arrumado, sem deixar nada ao acaso.
Estes adultos feridos tendem a querer mandar nos outros e a impor a sua opinião e desejos, que funciona como um mecanismo de defesa em que a pessoa não dá espaço a nada que venha do exterior porque precisa de reunir as suas forças para proteger-se.
É necessário trabalhar a paciência, a tolerância e o saber viver, assim como aprender a ficar sozinho e a delegar responsabilidades, em vez de justificar tudo o que lhe acontece com as suas emoções feridas.
5. Injustiça
O sentimento de injustiça nasce nos lares nos quais os cuidadores principais são frios e autoritários. Uma exigência excessiva gera sentimentos de ineficácia e de inutilidade, tanto na infância como na idade adulta.
Albert Einstein sintetizou esta ideia na sua frase: “Todos somos génios. Mas se julgarmos um peixe pela sua habilidade de subir uma árvore, viveremos a vida toda acreditando que ele é estúpido”.
Como consequência, quem experimenta essa dor, pode chegar a ser uma pessoa rígida que não admite meias nuances em nenhuma ordem da sua vida. Costumam ser pessoas que tentam ser muito importantes e alcançar um grande poder.
É provável que seja criado um fanatismo pela ordem, pelo perfeccionismo ou, inclusive, pelo caos. A questão é que são pessoas que radicalizam as suas ideias e, por isso, têm dificuldades em tomar decisões.
Para fazer frente a esses problemas, é preciso trabalhar a desconfiança e a rigidez mental, com objetivo de gerar uma maior flexibilidade e permitir a confiança nos outros.
O primeiro passo para tratar estas feridas que muitos sofrem em silêncio, é assumir este lado negativo, esta dor, este desconforto que acaba por projetar-se em todas as nossas áreas de vida.
Ouvir o nosso “eu interior”, descodificar o que nos diz, interpretar os nossos sentimentos, compreender a razão pela qual agimos de determinada forma, são a base para que entremos num novo percurso e para que construamos uma vida com valor.
O processo é longo, mas os resultados são visíveis nas mais variadas situações do nosso quotidiano, por isso, vá ao fundo de si, compreenda-se, trate-se com carinho, entenda que não é a única pessoa a ter passado por isso, mas assuma que não terá de carregar estas feridas até ao fim dos seus dias e, se necessário, peça ajuda a um psicólogo.