A Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos (APRH) considera que os transvases de água podem criar "conflitos entre regiões", bem como uma "ilusão de abundância" daquele recurso, de acordo com respostas do seu presidente a questões da Lusa.
"Os transvases necessitam de estudos aprofundados e de uma ponderação criteriosa das consequências positivas e negativas para as bacias doadora e recetora", refere presidente da APRH, Jorge Cardodso Gonçalves, salientando que estes podem "criar conflitos entre regiões, introduzindo uma ilusão de abundância" de água.
Entre outras consequências dos transvases, o presidente da APRH refere que podem "afetar as disponibilidades de água nas bacias de origem (doadoras)", "acarretar custos de investimento incompatíveis com as disponibilidades financeiras atuais" e "colocar em risco a sustentabilidade ecológica".
Para Jorge Cardoso Gonçalves, "na resposta à escassez de água, é essencial um planeamento que considere diferentes pilares", como a "gestão adaptativa do território", a "eficiência hídrica dos sistemas construídos", a "redução do consumo nos diversos setores" e uma "maior interação e cooperação entre o setor urbano e o regadio".
O presidente da APRH vinca também a "possibilidade de ativação de mecanismos tarifários de emergência", e "utilização de água residual tratada – ApR [Água para Reutilização] para fins compatíveis".
Quanto a um planeamento que inclua a transferência de volumes de água entre albufeiras, deve ser equacionado "desde que não ponha em risco a sustentabilidade ecológica e apenas em casos extremos de escassez".
Já relativamente à dessalinização, segundo o presidente da APRG deve ser pensada "em locais comprovadamente adequados e em que este recurso possa ser utilizado (por exemplo: hotéis, campos de golfe, aproveitamentos hidroagrícolas existentes)".
"Os recursos hídricos não podem ser geridos como uma fonte inesgotável e o seu uso não deve afetar significativamente a estabilidade dos ecossistemas, em particular de áreas protegidas e classificadas", defende a posição da APRH.
O Governo já anunciou um conjunto de medidas para enfrentar a seca no Algarve e no Alentejo, como reduzir o consumo urbano na região em 15%, face ao ano anterior.
Em novembro, Rui Cortes, professor na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) e membro de defesa da bacia hidrográfica do Douro MovRioDouro, já tinha dito à Lusa que eventuais transvases de água do Norte para o Sul configuram uma "situação muito perigosa" em termos ambientais, económicos e regulamentares, além de contestar a ideia de abundância de água a Norte.
Rui Cortes relembrou que em 2022 "praticamente toda a bacia do Douro atingiu situações de seca extrema", e mesmo em "bacias onde chove imenso, no caso a do Lima, a albufeira do Alto Lindoso esteve abaixo dos 17% de capacidade".
Também a investigadora Manuela Moreira da Silva, do Centro de Investigação Marinha Ambiental da Universidade do Algarve (UAlg), disse à Lusa que, antes de se pensar na construção de transvases de uma bacia hidrográfica para outra, há um conjunto de medidas que podem ser adotadas, como o combate às perdas, a reutilização de água tratada ou a criação de estruturas que favoreçam a sua retenção.
Em 19 de outubro, o presidente da Câmara de Olhão e da Comunidade Intermunicipal do Algarve, António Miguel Pina, disse que era preciso "romper com o preconceito de fazer transvases do Norte para o Sul", pois "a água que cai no Norte tem de chegar ao Sul".
Porém, em novembro, o presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve, José Apolinário, defendeu a necessidade “de haver consensos” com todas as entidades para gerir a água na região e recordou que "do ponto de vista da legislação ambiental há uma crítica a dizer que violam diretivas e que criará um problema acrescido ao país”.
Lusa