Família

Portugal: o país onde as crianças são “únicas e especiais”

 
Também conhecido como o país do “filho único” por ser um dos locais no mundo onde nascem menos crianças, Portugal está a criar uma nova forma de encarar a parentalidade, já que, no passado, ter apenas um filho era alvo de crítica social e considerado prejudicial para a criança.

 
A realidade hoje é outra e, as famílias estão a aprender a encarar o nascimento de um filho numa nova dimensão, já que “quantidade não é sinónimo de qualidade” no sentido literal da palavra. Muitos especialistas recordam que, apesar de ser tradicional constituir famílias numerosas no nosso país, nem sempre o resultado desses aglomerados foi o mais positivo, pois não se sabia dar resposta a tantas solicitações, muito menos compreender que cada filho precisa de ter um papel no seio da família. 
 
Um papel que vá mais longe que um número meramente estatístico, que suporta as necessidades de cuidar dos irmãos enquanto que os pais trabalham, bem como ser mais um “soldado” para possibilitar o sustento da família.
 
Uma família requer muito mais que a tónica de “tudo se cria”, ou “enquanto houver um prato de sopa, ninguém passa fome”. Os pais portugueses sabem bem que, a vida não lhes permite oferecer o mínimo se ultrapassarem o limite do que lhes é permitido. O trabalho é escasso e nem sempre bem remunerado, os apoios públicos restritos, a compreensão por parte das empresas aos casais com filhos também não é a melhor e, a idade para constituir família é adiada até ao ponto de se reunirem condições para que o filho possa chegar com alguns direitos essenciais.
 
Se tudo isto parece dramático, sabem bem os pais “que se esquece” quando recebem a desejada criança que resulta desse esforço e conjunto de adiamentos, mas que se concretiza naquela altura mais ou menos planeada. Só por isso já se ultrapassa o “peso” de ter só um filho. 
 
Depois, se encararmos que o valor maior é cuidar bem da criança, ainda mais se afasta a “punição” de ter só um descendente.
 
E, no final das contas, o problema existe, mas a consequência acaba por ser positiva. “Portugal dispõe dos melhores pais de sempre para cuidar dos seus filhos.”
 
Clichés à parte, o filho único não tem necessariamente de ser egoísta, desadaptado, com dificuldade em socializar e pouca resistência à frustração. 
 
Os amigos, os familiares, os grupos desportivos, os clubes… são de vital importância para o presente e futuro dos filhos únicos e suas famílias e, acima de tudo, tem de se afastar a culpa de não ter mais filhos e concentrar energias para educar melhor, para integrar bem e para preparar um ser para o mundo.
 
Uma investigação feita pelo Instituto Nacional de Estatística e pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, junto das famílias portuguesas em 2013, apurou alguns dos motivos pelos quais os casais optam, cada vez mais, por ter apenas um filho: o investimento financeiro; para dar hipótese à mãe de ter uma carreira; porque a permanência conjugal não é suficiente para ter um segundo filho; a idade tardia em que a mulher engravida e as questões da fertilidade associadas aos agentes agressivos a que estamos expostos e que fazem com que existam muito mais casais inférteis.
 
Na revista Pais&Filhos, o pediatra Artur Sousa revela que a maioria dos pais que lhe chegam à consulta “não têm um segundo filho devido às condicionantes económicas”, mas também reconhece que “bem orientados e apoiados, desde que tenham condições para tal, e mesmo com primeiros filhos difíceis, os pais continuam a apostar em ter o número de descendentes com que sonharam”.
 
Já o pediatra Mário Cordeiro acentua que “os pais portugueses sentem que não há condições de vária ordem – laboral, financeira, habitacional, de instituições escolares, de apoios à parentalidade – para terem mais filhos”.
 
Os dados do Instituto Nacional de Estatística de 2013 confirmam essa grande preocupação dos casais com o aspeto financeiro a ser apontado por 93 por cento das mulheres e 92 por cento dos homens.
 
Curiosamente. Os dados demonstram que, os homens desejam em média ter menos filhos do que as mulheres (1.76 para os homens e 1,80 para as mulheres) e os homens nascidos fora de Portugal têm em média um número de filhos mais elevado (2,58).
  
Os inquiridos manifestam também a convicção de que a natalidade deve ser incentivada com mais medidas por parte do Estado no sentido de aumentar o rendimento das famílias.
 
Apresentada a realidade, é preciso intervir e melhorar a forma como se educa para a partilha. A psicóloga Rita Silveira Machado fala de um conjunto de circunstâncias sociais que levam à opção de ter apenas um filho, mas reconhece que esta decisão acaba por gerar outro tipo de preocupações. 
 
“Quando falamos com os pais, encontramos uma grande culpabilidade em relação ao facto de ter um só filho; cresceram a pensar que um filho deve ter irmãos, um aliado, e que é uma posição egoísta continuar com as suas vidas porque aquele filho não tem companhia”, diz, sublinhando que acaba por haver “uma tendência natural de compensar estes filhos” e aí é que reside o problema.
 
Em primeiro lugar, os pais têm de aceitar que a sua vida não lhes permite ter mais filhos e que isso não constitui um entrave à educação e à felicidade familiar.
 
Com um único filho, os pais dispõem de mais tempo para ensinar, para trocar afetos, para brincar que é tão importante para as crianças e, até para preparar bem o filho para a vida.
 
Podem trocar-se mais histórias, viver-se emoções distintas e conquistar outras aprendizagens.
 
Um filho único, apesar de especial e de muitas vezes ter as atenções centradas em si mesmo, deve conhecer os seus limites, definir gostos e prioridades, bem como compreender a importância de se relacionar com os outros. É fácil possibilitar o contacto com outras crianças e despertar o filho que não tem irmãos, para a brincadeira saudável com colegas e amigos. Basta que sejam reunidas vontades e que se aceite esse facto com naturalidade.
 
O filho único não tem de dividir a atenção dos pais com irmãos, mas deve aprender a aceitar o espaço dos pais e a reservar também esse tempo para si mesmo.
 
Não precisa de partilhar com os irmãos, mas deve aprender a fazê-lo com outras crianças da sua confiança. Para tal, é preciso que exista esse incentivo e um despertar para a importância dos outros, ainda que não residam mais crianças na sua casa.
 
O filho único, tal como qualquer outra criança, deve conhecer os seus limites, as regras de bom funcionamento nas mais variadas situações e saber comportar-se na presença de outros.
 
Nunca é demais reforçar que, “o peso” do filho único começa no seio da família, pelo que, quando os pais aceitam com naturalidade que só têm um filho, estão a preparar muito melhor essa criança para a mesma aceitação e normalidade. Entenda-se que, ter apenas um filho é hoje uma tendência e não uma exceção no nosso país!
 
Os pais podem aproveitar positivamente esse facto e possibilitar o convívio com outros filhos únicos, bem como banalizar esse facto, pois só assim a criança irá desenvolver-se de forma equilibrada e sadia.
 
O filho único pode ser tão ou mais feliz que uma criança que cresce rodeada de irmãos. O centro da questão é o papel dos pais na sua vida: o apoio que lhe é prestado, a exigência, a educação fornecida e, por se tratar de um fenómeno mais recente, é positivo procurar saber mais acerca do assunto, pois tal como se passa noutras situações, os pais estão sempre num processo de aprendizagem.
 
Com a habituação à ideia, facilmente os pais compreendem que não existe nada de extraordinário no facto de terem apenas um filho e acabam por encontrar os seus próprios benefícios. Os pais descobrem um valor novo na convivência familiar, mais disponibilidade, mais capacidade de transmitir as mensagens num ambiente mais tranquilo, melhor gestão do tempo familiar, muitas vezes ocorrem atividades diferentes, pois é mais fácil ir a determinados locais só com uma criança e daí por diante.
 
É evidente que, aquilo que o filho único não aprende com os irmãos, necessariamente vai ter de aprender com os pais, demais familiares e outras crianças, mas esse é também um importante desafio para todos!
 
Fátima Fernandes