Comportamentos

Há coisas que não se deve dizer à frente dos filhos

Foto|D.R
Foto|D.R  
Muitos especialistas defendem a importância dos momentos em família, a necessidade de se implementar hábitos conjuntos, como sendo fazer as refeições, ver televisão em família durante alguns momentos e desfrutar de tempos livres, no entanto, reforçam alguns cuidados a adotar nessas situações.

 
Apesar de se tratar de uma família que se quer com uma relação aberta e de respeito mútuo, há limites a considerar como forma de manter essa conduta e, ao mesmo tempo, a liberdade dos mais novos.
 
É comum que, nos momentos em conjunto “saltem” expressões como “és tal e qual como o avô”, “fazes sempre a mesma asneira”, “não és capaz de fazer nada de jeito” e tantas outras expressões negativas que acabam “por manchar” aquilo que é o mais bonito das relações familiares.
 
Muitos pais não entendem a razão de determinados comportamentos e expressões negativas dos filhos, mas esquecem-se de que, os mais novos aprendem tudo o que os adultos fazem e imitam com relativa facilidade. Como não estão ainda habilitados em termos intelectuais para distinguir o certo do errado, acabam por reproduzir fielmente o erro que receberam da postura mais descontraída e, muitas vezes, ingénua dos pais.
 
Neste sentido, tal como se adotam hábitos alimentares quando nasce um bebé e toda a família acaba por ter de alterar a forma de organização e de convivência, também faz sentido reter que, “à frente dos filhos” não se devem dizer determinadas coisas. No seio do casal os comentários são normais, já que os pais sabem analisar os filhos, mas ao fazerem-no diante dos mais novos, já os estão a condicionar face a um comportamento ou caraterística que, no tempo pode e vai seguramente alterar-se – alertam os especialistas.
 
Ao mesmo tempo, as alcunhas também constituem um hábito ancestral a ser alterado pelo mesmo motivo. Já basta que, na escola a criança tenha de conviver e de se defender das naturais brincadeiras com colegas. 
 
Em casa “não terá de levar” com mais essa nuance que lhe vai impor mais um limite à pessoa que nasceu para ser livre e fazer as suas escolhas.
 
Muitos pais confessam que “não fazem por mal”, que com eles também foi assim, mas sabendo-se que está incorreto, qual é o sentido de manter? Percebendo que, nem tudo o que foi transmitido aos pais é o mais adequado para os filhos e, muito menos num tempo todo ele distinto, faz sentido analisar comportamentos e preparar-se para melhorar a sua conduta de educador e de referência afetiva e parental para os filhos.
 
Efetivamente, os pais são as pessoas que os filhos mais amam no mundo, mas é também verdade que, através de algumas pequenas, mas relevantes expressões ou comportamentos, esse afeto pode passar a uma atitude defensiva e, mais tarde, a um alvo negativo.
 
É óbvio que um desenvolvimento (só) baseado no elogio também não é a escolha correta, pelo que ser verdadeiro sem rotular é o que se pretende com este alerta.
 
Respeitar as qualidades e defeitos da criança, reforçar os pontos mais fortes e compensar os mais fracos sem condenar, faz parte de uma educação virada para o equilíbrio e desenvolvimento saudável.
 
Quando os pais percebem que a criança não “tem jeito nenhum para jogar à bola”, devem incentivar o jogo em vez de evitá-lo e de lhe dizer que não é craque… esta é a postura a adotar com tudo na vida, mesmo para os pais! “Se faço isto menos bem, vou esforçar-me por fazer melhor.” Se há uma atividade em que a criança é mais brilhante, então devo deixá-la para o fim como reforço e estímulo para que se esforce e insista naquilo que faz menos bem.
 
Não se deve dizer à criança que “ela não é capaz disto ou daquilo”, muito menos que é distraída, irrequieta ou um aluno fraco, pois isso revela que os pais já não esperam nada dela além desses resultados.
 
Para Quintino Aires, “quando um pai ou uma mãe diz ao filho que ele não é capaz de realizar uma determinada tarefa, está a mostrar-lhe que aceita essa incapacidade e que assume que o filho desistiu de melhorar o comportamento”, isto acontece porque “é dos pais que os filhos esperam os maiores incentivos e proteção. Se os pais são os primeiros a desistir, não haverá motivos para continuar a luta”. 
 
O mesmo especialista reforça que, “naturalmente os pais dizem em frente aos filhos que a professora o acha distraído, mas que ele vai conseguir passar o ano”. 
 
Para Quintino Aires, “os pais não podem dizer que o filho é distraído, mas sim tentar que ele melhore a sua capacidade de concentração em atividades que se realizem diariamente. 
 
O segredo está no treino para melhorar o que é menos positivo e não no assumir do negativo, pois em fase de desenvolvimento, é sempre possível modificar este tipo de situações”.
 
Note-se que, por diversas vezes, Quintino Aires já mostrou que é sempre possível alterar comportamento e formas de pensar, “basta que se criem as condições para fazê-lo. É um processo que ocorre ao longo de toda a vida, mas temos de ter esses estímulos.” 
 
Numa situação em que “nos salta a tampa”, não é preciso chamar nomes ou impor defeitos, basta olhar com desagrado nos olhos da criança e dizer, “não podes fazer isso”. 
 
Mais tarde, devem conversar sobre o assunto e explicar à criança onde ocorreu o erro e como podem melhorar a situação. 
 
No fundo, Quintino Aires mostra-nos a  importância de nos adaptarmos à condição de pais nas mais variadas situações. “A partir do momento em que se assume a parentalidade, não podemos ser as mesmas pessoas e adotar os comportamentos anteriores. 
 
É nessa mudança que devemos apostar para não reproduzir aquilo que nos foi transmitido, e para ponderar qual é a melhor postura a adotar com aquela criança que está ali à nossa frente, que não é como nós fomos, nem nós somos como os nossos pais”.
 
Os filhos sabem que não existem famílias perfeitas, mas as discussões em frente ás crianças, não são a melhor forma de passar os momentos em família. 
 
O casal terá de encontrar os momentos adequados para renovar os seus pontos de equilíbrio.
 
Sem esquecer as agressões que, lamentavelmente se exibem nos meios de comunicação social, nem uma palavra sobre um assunto completamente proibido perante as crianças e longe delas, pois quando o casal não se dá bem, não são mesmo os filhos que vão “salvar” a relação. 
 
Partir para qualquer tipo de agressão (física, psicológica ou outra) é um limite que não precisa de ser conhecido e que os filhos não têm obrigação de observar. Um casal deve ser adulto o suficiente para proteger os filhos de cenas que não merece e que o podem influenciar negativamente pela vida fora. Esta é mais uma responsabilidade parental que deve ser ponderada e enquadrada quando se opta pela separação por não se conseguir conviver com uma determinada pessoa, mesmo sendo pai ou mãe dos filhos.
 
Entenda-se que, os filhos não deixam de o ser com a separação, mas sentem-se sem pais quando estes discutem à sua frente e dão um exemplo distorcido daquilo que seria a sua função e sentimentos de família.
 
No fundo, aceitar o desafio de ser mãe ou pai é mesmo aceitar uma oportunidade de mudança a vários níveis e de encontrar uma pessoa melhor dentro de cada um de nós.
 
Fátima Fernandes