Família

Há cada vez mais pais com medo dos filhos. Porquê?

 
As respostas são muitas, mas vão ter sempre ao mesmo desfecho: os limites da educação.

Os entendidos procuram explicar o problema que está a afetar muitas famílias e são unânimes ao referir que a sociedade está em mudança, que os novos tempos trouxeram alterações profundas em todos os aspetos e que, se no passado cada criança crescia rodeada de 20 ou 30 adultos e que, entre todos, a educação funcionava, atualmente os pais sentem-se sós numa tarefa que, não sendo fácil tem de ser compreendida.
 
A estrutura familiar mudou e, são cada vez mais os pais que se defrontam com a falta de tempo e de apoios de outros familiares para educar os filhos. Tudo devido à mudança da própria estrutura familiar que afastou os mais novos de um conceito de família, em que todos se suportavam por objetivos comuns na mesma comunidade.
 
A par desta realidade, são muitos os casais e, em muitas situações, apenas a mãe ou o pai, que enfrentam a educação dos filhos de forma quase isolada. Suportam-se dos textos que vão sendo publicados, das trocas de experiências com outros casais e, na prática, há muito que fica por fazer com os mais novos e no tempo certo.
 
O que se lê nem sempre responde ás particularidades de cada família e, ainda menos à interpretação que é dada em cada contexto. As experiências dos outros, em muitos casos, revestem-se das mesmas dúvidas e da mesma procura de alternativas, pelo que os pais se vêm “em becos com poucas saídas”.
 
É verdade que no passado não se sabia responder a tudo. As exigências eram menores, mas a troca de saberes entre mais novos e mais velhos, parecia confortar os pais e permitir-lhes pensar acerca de alguns pontos essenciais, pois acima de tudo estava o respeito que todos queriam receber, pelo que os mais novos acabavam por incutir essas noções, mesmo que com pouco afeto ou reduzida capacidade de compreender a importância da utilização de alguns termos mais coloquiais ou de ter de cumprimentar os familiares e conhecidos.
 
É inquestionável que, é desde o berço que se transmitem as regras e os valores, tal como é inegável que, os pais de hoje não querem oferecer aos filhos a educação que receberam, mas no meio do muito que se rejeita, falta o que se aceita e que é fundamental.
 
Os filhos precisam de crescer com limites, com poucas regras, mas as essenciais para serem cumpridas. E têm mesmo de ser cumpridas, sob pena de se perder a autoridade parental.
 
Os castigos têm de ser realistas e mostrar à criança que existe uma consequência para o incumprimento. 
 
É preciso explicar as regras na forma em que a criança as perceba e as possa utilizar nas mais variadas situações, sob pena das mesmas perderem o significado.
 
Colocar uma criança de castigo durante uma semana, é ridículo e impossível de levar a punição até ao fim. É preciso ser claro. A criança não cumpriu uma regra. Não vai ficar uma semana sem ver televisão, quando todos sabem que isso perde o sentido em pouco tempo. Mais vale impedi-la de fazer algo no momento em que fez a asneira e, mostrar-lhe claramente que, quando não cumprir as orientações dos pais, terá uma consequência.
 
Os pais têm medo dos filhos porque querem o seu amor e atenção e não compreendem que esses sentimentos se transmitem e trocam, não são “pagos” com presentes e com a autorização para fazer tudo o que querem.
 
O amor desenvolve-se na relação. Os pais ensinam a amar dando amor, atenção, regras e educação, mas muitos pais recordam-se do seu tempo de crianças e dos sentimentos negativos que desenvolveram em relação aos pais autoritários, acabando por se limitar naquilo que agora deveriam transmitir aos seus filhos.
 
No passado, a educação era meramente baseada no autoritarismo e com pouco espaço para os afetos e para a compreensão do que se passava em termos de comportamento. Os próprios pais seguiam a conduta dos seus pais, tios e avós e não conseguiam ir muito para além disso. Mas, na prática, os filhos sabiam respeitar os mais velhos e como se comportar nas mais variadas situações. Os professores também eram autoritários, as forças de segurança eram uma marca dessa mesma autoridade e, de certa forma, todos viviam condicionados pelo medo.
 
Perdido esse medo, naturalmente que as crianças acabam por não saber o que fazer, pois os pais não lhes colocam “uma parede na frente” e deixam-nos fazer tudo. O “não” acabou por ter um sentido tão negativo que caiu em desuso e, com tantas autorizações, os mais novos não dão valor, não sabem, não se esforçam e, sobretudo, não compreendem a realidade em seu redor…
 
Para se compreender o mundo é preciso pensar e, para refletir é necessário uma paragem, um tempo e uma exigência. O “não” serve para isso mesmo. Para cortar uma ação errática e dar lugar a outra através do pensamento. Sem esse corte, naturalmente que não há mudança, correção e a construção de algo diferente.
 
É como se os pais autorizassem tudo, pelo simples facto de não impedirem a asneira ou comportamento errático, isto já para não falar na falta de uma repreensão no momento em que a criança quase a implora no supermercado ou noutra qualquer ocasião. Os pais têm de ser mais atentos e reativos para com os filhos, pois esse “deixa andar” só dá lugar ao medo de educar, ao excesso de análises e contra análises que não levam a outro sítio que não à falta de regras e de uma conduta de convivência familiar e social.
 
No meio de tanta confusão, tentou-se democratizar tanto a família que, em muitos casos, não se sabe quem é a figura de autoridade, a quem devemos “dar contas” do dia de escola, dos recados do professor e daí por diante.
 
Se é importante a mudança, é fundamental não perder de vista que, o cérebro humano precisa de regras e de limites para se organizar, para se sentir seguro, para estabelecer rotinas e a tal sensação de bem estar que permite desenvolver a maturidade. 
 
No fundo, as crianças que não têm regras, são profundamente infelizes e, é por isso que fazem tantas chamadas de atenção. Não sabem o que fazer perante um adulto e, em muitos casos, reagem como se de um colega se tratasse. 
 
Agridem os pais como batem nos irmãos e, mais tarde, vão tentar fazer o mesmo com professores e auxiliares da escola. Estas crianças são infelizes porque lhes falta uma orientação; um rumo, um sentido para a vida e, contrariamente ao que os pais possam pensar, não se sentem amadas, porque até para amar é preciso regras.
 
É preciso saber o que não se faz ao outro, é preciso saber o quanto se magoa alguém com uma má palavra ou com um gesto violento.
 
Tudo isto vai dando lugar a uma sociedade mais violenta e com novos medos. Os pais têm medo de não serem amados pelos filhos e, mais tarde, vão ser agredidos por eles.
 
Os filhos não sentem o amor dos pais e, por isso, acabam por tratá-los como um resultado de uma educação falhada e condenável a todos os níveis, mas a base continua por construir.
 
Estes filhos tornam-se os adultos com “as marcas” daquelas crianças que nunca foram habituadas a dividir um dos seus muitos brinquedos com alguém que não tem nenhum. São o resultado daquelas crianças que cresceram sem um “não” e que quando perceberam que a sociedade lhes dá muitos, se revoltam contra os pais; aqueles seres que deveriam ser os mais especiais do mundo, mas que não os prepararam para a vida em sociedade. São os filhos de um sistema que vai dando justificações para não fazer o que deveria: educar a pensar no futuro e a alimentar essa desculpa para tudo e mais alguma coisa, apontando o dedo a quem fez o melhor que sabia, mas não o que deveria.
 
No fundo, os pais sabem que estão a fazer mal, pois quando usam o coração aliado à razão, sentem claramente que, estão a deixar passar situações que mais tarde lhes vão custar muitas lágrimas, mas entregam nas mãos de alguém. Seja a escola, seja uma casa de correção ou qualquer outro organismo que venha a ser criado para os orientar; para fazer aquilo que se foi arrastando etapa após etapa.
 
Muitos pais de filhos de seis anos, queixam-se da agressão que estas crianças manifestam numa idade em que já deveriam ter apreendido um conjunto de valores de boa convivência. Sim, até aos quatro anos, há um conjunto de regras que têm de ser transmitidas e das mais variadas formas. 
 
O simples facto de uma criança se sentar à mesa na hora das refeições, de participar nas conversas, de ouvir os bons exemplos que os pais ou outros membros da família lhes fornecem, é um passo essencial para o respeito, para o saber estar com os outros. Em vez disso, muitas crianças acabam de comer à pressa para irem assistir aos desenhos animados, para brincar com equipamentos tecnológicos e, nesses desvios ao que deveria ser uma regra familiar, vai-se construindo a ideia de que todos os centros de interesse infantis são mais importantes que o estar em família.
 
Este é um pequeno exemplo entre muitos que vão dando lugar ao afastamento familiar e ao contacto com a vida dos mais velhos. Não nos esqueçamos de que não vamos tornar as crianças interessadas nos valores familiares, se as deixarmos constantemente entregues à sua brincadeira nos momentos em que deveriam estar todos à mesa.
 
O mesmo se passa nos poucos momentos de convívio em que as crianças “estão ocupadas” com aquilo que fazem a toda a hora e, não podem dar atenção a uma visita ou uma festa familiar.
 
Tudo isso somado, dá lugar a uma distância monumental que os pais só vão perceber mais tarde, mas que cortou a ligação familiar por simplesmente nunca se ter construído.
 
Os adultos pensam que as crianças não “têm paciência” para as conversas dos mais velhos. Como podem ter interesse se não foram habituadas? Como podem valorizar a família se estão sempre ligadas ás tecnologias?
 
Talvez a maior parte dos pais nunca tenha experimentado contar histórias de família de forma agradável para os filhos… Se o fizer, vai perceber o encanto que as mesmas encerram nos mais novos e, o quanto essas vivências aproximam gerações e o sentimento de família.
 
Dá muito trabalho educar? Depende da perspetiva! Se educarmos com razão e coração, percebemos o quão é fácil respeitar as crianças com regras e limites. Naturalmente “sentimos” como agir em cada momento e “entra-se em ação”. 
 
Ao perceber a honestidade dos pais, os filhos apreciam a relação e evitam “desiludir” quem tanto lhes dá, apoia e ensina. Esforçam-se por cumprir sabendo que o benefício também é para si. Qual é a criança que gosta de magoar os pais? Só aquelas que não vivem uma relação franca e afetiva de parte a parte!
 
Os pais amam os filhos e mostram que essa relação só funciona com o contributo de parte a parte. É a pedagogia do amor, cujos frutos são grandiosos, pois amor com amor se paga!
 
Numa relação de amor não pode haver espaço para a agressão, muito menos para as faltas de respeito… esta é a chave para educar com amor em troca dele e regras em troca de comportamentos positivos.
 
Nunca é tarde para educar, até ao último dia de vida estamos sempre a aprender. Uma boa conversa pode reposicionar o rumo de uma relação. Quando os pais se apercebem que falharam, só têm de inverter o cenário, sem medo de enfrentar os filhos e de lhes apresentar alternativas, seja em que idade for.
 
Na família, a relação não é democrática: são os pais que ditam as regras, ainda que os filhos tenham a sua opinião e possam sugerir!
 
Nunca é demais recordar que, quando os filhos sentem o afeto dos pais, facilmente se esquecem do que aconteceu de menos positivo, pois concentram-se nas conquistas alcançadas e nos muitos benefícios de um castigo.
 
Os traumas só existem quando se trata de uma relação baseada em algum tipo de violência e, quando a criança não compreende a razão pela qual os pais não gostam dela e a magoam de forma injustificada e sem nexo. Educar tem sentido e faz crescer de forma equilibrada e saudável!
 
Fátima Fernandes